Juiz de Fora

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Panótico vê aqui e agora (208)



A separação
(2011)




"Alô. Eu tenho uma dúvida religiosa. Eu trabalho em uma casa em que há um senhor idoso, muito doente. Ele urinou nas próprias roupas. Se eu ajudá-lo a trocar, é pecado?"




Último dia de férias, 13 h e 30 min, e resolvi ir ao cinema. Vinte e dois minutos depois eu estava sentado na melhor poltrona do cine 2 do Alameda para ver A separação, premiado filme iraniano (em Berlim, o melhor festival de todos, na minha opinião, não esta porcaria de Oscar). Meia dúzia de espectadores e silêncio total.




Um bancário (Nader) e sua esposa (Simin), professora de inglês, estão sentados diante de um juiz para obter um divórcio. Como o marido não é criminoso, toxicômano, ou violento, não é obrigado a consentir com a separação judicial, de acordo com a lei iraniana (e da maioria dos países islâmicos). Simin obteve um visto de trabalho no "exterior" (o país não nos é revelado) mas só quer ir com o marido e a filha adolescente (Termeh). Nader aceita o divórcio, mas quer ficar no Irã para cuidar do pai octogenário e com Alzheimer, e não abre mão da guarda da filha Termeh (outra peculiaridade da legislação muçulmana, a preferência, em caso de separação, é pela linha paterna).




Simin sai de casa e o protagonista Nader não pode, por óbvio, ficar o dia inteiro cuidando do pai enfermo. Contrata uma faxineira grávida (Razieh), a baixíssimo salário, que está com um marido desempregado (Hojiat), endividado, e cujos credores requereram judicialmente o seu acautelamento (no Irã ainda há prisão civil por dívidas comuns entre particulares, uma clara violação ao direito internacional democrático). Razieh leva a filha de seis anos para o local de trabalho, e não possui qualificação necessária - e nem sossego - para cuidar do paciente. A empregada é descuidada em diversas ocasiões, o patrão ao retornar do trabalho encontra o pai abandonado, amarrado e em estado grave, culpa a empregada e a demite por vias tortas, violando seus direitos e por meio de acusações levianas. Razieh tenta tirar proveito da situação e cria um dramático cenário de disputas judiciais que afeta as pessoas diretamente envolvidas e também aquelas adjacentes à trama.




Há outros filmes iranianos que têm a mesma temática. A sociedade moderna é opressora por suas próprias características e, em países islâmicos fundamentalistas, o Estado totalitário potencializa o sofrimento das pessoas. Além da ignorância advinda da religião, há o desnível social que favorece os mais ricos (o casal universitário Nader e Simin leva enorme vantagem sobre o casal trabalhador Hojiat e Razieh). As crianças, adolescentes e idosos são impotentes diante dos adultos, o trânsito é mais caótico do que o nosso, e o sistema judiciário, uma piada, eu poderia escrever um post exclusivamente sobre o tema, a partir das aberrações jurídicas mostradas no filme.




As personagens são todas razoavelmente de boa-fé, - não há propriamente mocinhos e bandidos, não dá para torcer especificamente pelo sucesso de algum deles, - possuem um núcleo comum ético, sabem distinguir basicamente as questões de princípios. Mas são também mesquinhas ao cuidar do próprio interesse (e não consultam, para economizar uma graninha, advogados sobre os próprios direitos, assim como não se consultam engenheiros ao fazer reformas estruturais em edifícios, o barato sai caro, como consequência inevitável). Os homens são mais dados à violência, à prepotência e a querer dar a última palavra. As mulheres são mais dadas à chantagem emocional.




Tal como em Ten, de Abbas Kiarostami, é na condução dos veículos pelas ruas afora que vemos a postura concreta de cada um, o autointeresse brutal em andamento. Este excelente filme custou apenas meio milhão de dólares, e aí eu me pergunto: por que temos que aturar filmes medíocres que custaram cem vezes mais? O bom cinema é feito de bons roteiros, atores e argumentos.


3 comentários:

  1. eu tenho curiosidade de ver esse filme, mas o q quero ver primeiro é 2 coelhos. beijos, pedrita

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  2. esse filme é incrível realmente. vim agora ler em detalhes o seu post já que o vi. não gosto de ler antes de ver para não me influenciar. vc falou várias questões interessantes, mas a do trânsito tb tinha me chamado a atenção. não há faixas, ninguém para para os outros atravessar, já tinha visto esse horror no trânsito dessa região em outros filmes. tudo é precário nesses países. principalmente a educação e o estudo. os livros religiosos autorizam o homem espancar a mulher, caso ache necessário para corrigi-la. tb podem pedir a prisão delas, então muitos se aproveitam dessa lei para inventar mentiras das mulheres pra se livrar delas e contrair novo matrimônio. essa questão do casamento passa no filme o círculo. uma questão que me chamou a atenção e já tinha chamado a atenção na trilogia do cairo é o medo. por medo a mulher não contou ao marido que ia cuidar de um homem. a religião dela não permite, um homem que cuida de um homem. sozinha então nem se fala. então ela mente. e por medo, mesmo sabendo q todos podem ser presos, não desmente, tal o medo. a separação é incrível realmente e serve para qq relação. no trânsito no brasil vemos intransigências parecidas. nas relações familiares. pais q superprotegem filhos. e claro, dá pra falar das relações entre os países onde ninguém quer ceder. ótimo texto. beijos, pedrita

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  3. Pois é, a mulher no Islã sofre o que o homem sofre no Ocidente: a questão da guarda judicial dos filhos.

    E é interessante observar: a classe média não quer pagar os direitos de seus empregados, e o pobre se ressente do sucesso profissional e intelectual da classe média (cena final).

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