Juiz de Fora

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O Panótico vê aqui e agora (308)


O mestre
(2012)



Freddie Quell (Joaquin Phoenix) é um marinheiro alcoólatra que após o fim da Segunda Guerra Mundial está meio sem rumo na vida. Portador de algum distúrbio psiquiátrico, Freddie trabalha primeiramente como fotógrafo de loja de magazines, mas agride, sem motivo aparente, um cliente. Em seguida trabalha em uma fazenda, mas uma forte bebida por ele produzida mata um trabalhador hispânico que lhe pediu uma caneca. Freddie foge e em uma noite qualquer entra em uma festa a bordo de um veleiro.

Cai nas graças de Lancaster Dodd (Phillip Hoffman), que aprecia o veneno produzido pelo louco, e se apresenta diante dele como cientista, filósofo, médico, psicanalista, engenheiro, escritor e chefe de uma seita conhecida como A causa. Segundo o estelionatário, ele próprio seria capaz de curar leucemia e trazer a paz mundial por meio da regressão e hipnose. O semianalfabeto Freddie fica encantado com o paternal cheio de lábia, que passa a manipulá-lo.

Fiquei atraído pelo filme por causa dos muitos elogios à atuação de Joaquin Phoenix (mais do que merecidos) e por que este filme teria sido marginalizado pelo Oscar, que prefere patriotadas tipo Argo. Dirigido por Paul Thomas Anderson, de Magnólia, eu percebi logo nos primeiros minutos que se tratava de um filme fora dos padrões blockbuster, mas durante a primeira meia-hora não sabia a menor ideia do por quê da obra. No entanto, não é um filme que me ganhou. Se o objetivo era denunciar visionários vigaristas o filme é tímido. Seria preferível bater de frente com algum tema sobre os milionários televangelistas da atualidade.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O Panótico viu aqui e agora (307)


Muito além do peso
(2012)




"Eu não resisto à Coca-Cola. Eu abro a felicidade". Fala de um garoto após saber que uma latinha deste refrigerante equivale à sete sachês de açúcar.




Este documentário deveria ser visto por cada pai e exibido em cada escola. Um terço das crianças brasileiras está com sobrepeso. O impressionante e muito triste é saber de crianças com hipertensão, diabetes II e outras doenças graves relacionadas ao excesso de alimentos sintéticos, em particular os que contém partes cavalares de açúcar, gordura e sal.

Nunca vi um documentário sobre alimentação denunciar as empresas com tanta honestidade. Aqui os grande vilões são o McDonald's e a Coca-Cola, mas praticamente tudo o que é vendido nos supermercados é prejudicial à saúde.

Também gostei de que entre os vilões apontados estarem incluídos a televisão, - a babá eletrônica que substitui os pais -, a publicidade, os currículos escolares que não incluem educação alimentar e, ainda que atenuadamente, os próprios pais, que dizem resistir o quanto podem aos apelos insistente dos filhos por sanduíches e outras porcarias, mas revelam um certo orgulho em exibir os pequenos com doenças precoces, como é possível as pessoas glamurizarem doenças? Sem falar naqueles que acham lindo os seus risonhos filhos obesos, bons para exibi-los aos parentes e conhecidos.




Para download oficial e gratuito:

http://www.muitoalemdopeso.com.br/

Ou, então, assista aqui:


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O Panótico vê aqui e agora (306)




A estrela imaginária
(2006)


Um grupo de empresários e técnicos chineses vão adquirir uma siderurgia fechada em uma cidade italiana. Um técnico bronco que lá trabalha há trinta anos, Vincenzo Bonavoluntà, adentra um jantar dos novos empregadores e quer explicar ao chefão como se deve fazer para reoperacionalizar a fábrica. Uma jovem tradutora (competente) chinesa tem dificuldades naturais com termos técnicos e o italiano a faz passar por inepta diante dos profissionais. Alguns meses depois Vincenzo vai a Shanghai tentar convencer os chineses a fornecer melhores peças de reposição. É informado que teria que procurar a fábrica em Wuhan, a oitocentos quilômetros a oeste de Shanghai. Encontra-se com a moça, Liu, que por ter sido demitida não o trata bem. Mas Vincenzo lhe propõe que ela o guie, mediante pagamento.




É um filme muito triste, porque o foco está na falta de perspectiva e sentido da vida da maioria dos mortais. Mas é muito interessante porque vemos a China em muitas locações. Todos sabemos como é Shanghai, mas é proveitoso conhecer a área rural chinesa, eu nunca havia visto certas regiões nem mesmo em documentários. O mundo rural chinês deixou de ser caipira para ser sertanejo: fábricas, carros, televisores, celulares, karaokê e brinquedos para todo lado. Achei particularmente deprimente as favelas modernas: gigantescos prédios com milhares de habitantes como se fossem cortiços do século XXI. São evidentes os problemas de super-exploração da mão-de-obra, poluição, abandono infantil, etc. Não sei como o filme passou pela censura chinesa.

Entre os protagonistas vai rolando aquele clima meio improvável/proibitivo entre duas pessoas de idades e mundos muito diversos. Algo como Lost in translation, mas na versão subdesenvolvida.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Panótico vê aqui e agora (305)


O voo
(2012)



Um piloto de avião comercial (Denzel Washington) é alcoólatra e usuário de drogas. Em um voo entre Orlando e Atlanta o seu avião entra em pane por falta de manutenção, mas o adicto comandante Walt Whitaker faz umas manobras fantásticas e consegue pousar o aparelho em um campo, ocasionado apenas seis vítimas (entre elas uma aeromoça sua amante) mas salvando quase cem passageiros. Hospitalizado, o seu sangue é coletado e o herói vai tomar umas ações judiciais nas costas.

Ao que parece nos EUA a contratação dos pilotos de aviação tem um dedo dos sindicatos, o que é uma lástima, por dois aspectos: os diretores dos sindicatos vão escolher os seus protegidos e puxa-sacos, mantendo-se à frente da associação durante as eleições. E as companhias aéreas vão lavar as mãos diante de ações judiciais. Pobre do passageiro.

Fiquei com receio do filme pender a favor do piloto viciado por duas razões: uma, porque é mais fácil misturar a emoção com a razão e fazer a primeira triunfar, hipervalorizando o feito do piloto que salvou dezenas de vidas; outra, porque Hollywood tem uma longa ficha de serviços prestados ao consumo de drogas, bebidas, remédios, refrigerantes, proteína animal e etc.

Penso o seguinte: alcoólatras e toxicômanos não são vítimas, são gente que precisam de amparo, mas entraram nesta porque quiseram. E mais: se quem bebe e dirige um carro está praticando um crime, imagina um camarada que há onze anos é alcoólatra e bebe em pleno voo? Cadeia nele.

A direção é de Robert Zemeckis.


O Panótico vê aqui e agora (304)



Jackie Brown
(1997)



Um pequeno traficante de armas de Los Angeles, Ordel (Samuel Jackson) explica a um antigo comparsa, Louis, recém-saído da cadeia (Robert de Niro) como era fácil vender armas conhecidas do grande público devido ao cinema e tv, obtendo lucros de até 600% com a sua "importação" do México. Com meio milhão de dólares escondido em uma cidade mexicana, Ordel depende de manés e outros pequenos criminosos para realizar todo o trabalho braçal do tráfico. Um destes pobres diabos é Jackie Brown, uma aeromoça de meia-idade, com passado criminoso, ansiosa por dar um golpe que lhe valha a aposentadoria. Outros personagens da história são um agente de fianças (simultaneamente um agiota e caçador de recompensas), uma mimadinha drogada, e outras mulheres e empregados do traficante.






Não assisti este filme antes, à época do lançamento, porque após Cães de Aluguel e Pulp Fiction, firmei a opinião de que nos filmes de Tarantino a violência sobrepujava a qualidade cinematográfica, com remakes de filmes "B" dos anos setenta (blaxexploitaion). Não penso mais assim hoje, graças a Bastardos Inglórios. Jackie Brown é muito pouco violento em se tratando de Tarantino, e baseado em uma obra do escritor Elmore Leonard, é um interessantíssimo jogo de gato e rato, todos querendo passar a perna em todos, usando as armas de que dispõem. Veja bem, bandido é bandido, mocinho é mocinho, mas pequeno criminoso que passa a perna em outro maior ganha a simpatia do público, não é? E o honesto que está cansado de ficar para trás, então?

O Panótico vê aqui e agora (303)




Verdades e Mentiras
(1975)



Um judeu húngaro, Eymar, após tentar sobreviver como pintor nos EUA, decide copiar quadros de pintores impressionistas, e se torna o maior falsificador de pinturas da história, morando em Ibiza, vendendo quadros por cerca de dez mil dólares que jamais foram recusados pelos museus e que enganaram os próprios pintores sobre sua autenticidade. Um jornalista que entrevistou Howard Hughes no auge de sua loucura escreve uma biografia sobre este pintor. Um jovem aspirante a pintor após passar fome tentando vender os seus quadros em Dublin, muda-se para Nova York, passa a trabalhar como jornalista, e narra um programa de rádio que faz dezenas de milhares de pessoas fugirem de Nova York e New Jersey. Uma jovem sedutora de uma pequena cidade praieira no sul da França enfeitiça Picasso a ponto do mestre aceitar lhe doar todos os quadros em que ela posou como modelo.



Ouvi falar deste filme em 1979, quando um amigo disse que todas as obras de arte não teriam o valor que alcançam no mercado, e um outro amigo em comum lhe disse algo como: "Não é por que você viu Verdades e Mentiras que não vai acreditar em mais nada?!."

Sim, meu (minha) leitor(a) intergaláctico, faça como eu, assista a este filme sem maiores informações e fique se ardendo de curiosidade sobre o que é verdadeiro, verossímel, parcialmente verdadeiro ou falso, ou completamente fake nesta obra de Orson Welles.


"Quando os raios do sol recém-nascido caíram no verde e dourado
nosso pai, Adão, sentou debaixo da árvore
e arranhou com um graveto o lodo.

E o primeiro esboço rude que o mundo viu
foi um prazer para o seu poderoso coração.
Até que o Diabo sussurrou por trás das folhas:
É bonito, mas é Arte?"

(Rudyard Kipling 1865-1936)





terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Panótico vê aqui e agora (302)


Argo
(2012)



Teerã, 1979. Os fundamentalistas iranianos e outros grupos de oposição derrubaram, com forte apoio popular, o odioso governo do ditador Reza Pahlavi (1941-79). Por meio de um golpe de Estado orquestrado pelos EUA e Reino Unido que derrubou o gabinete do primeiro-ministro Mossadegh (1953) que nacionalizou a exploração de petróleo no Irã, Pahlavi passou a ser um soberano absolutista, que combinava um fausto exagerado, títulos quase sagrados e uma pretensão modernizadora. Fora do poder, recebeu asilo nos EUA a título de tratar de um câncer.



Com apoio meio velado da cúpula do poder do Aiatolá Khomeini, militantes da revolução iraniana invadiram a embaixada dos EUA com o intuito de exigir de Washington o repatriamento de Pahlavi. Seis funcionários diplomáticos escaparam da sede e esconderam-se na residência do embaixador canadense. O agente da CIA Tony Mendez (Ben Afleck, protagonista e diretor do filme) resolve resgatar os estadunidenses como se eles integrassem uma equipe cinematográfica de uma suposta ficção científica "B", Argo.

Há elementos do filme que são típicos e que todos gostam: uma explicação histórica resumida, mas eficaz e honesta; a denúncia de Estados totalitários; a valorização da democracia e direitos humanos; a convicção de que o seu Estado democrático é melhor do que qualquer ditadura, mas você não pode confiar nos governantes; o respeito pela inteligência dos inimigos e de suas razões; a denúncia do imperialismo; os elementos de suspense; a percepção de que heróis são pessoas de carne e osso, etc...




E também aquelas bobagens de cowboy, tipo: fazemos o que fazemos e depois voltamos para a família, em casa; nós, os estadunidenses, mesmo em crise somos os mais sodas de todos, etc. Particularmente, achei legal a direção de Ben Afleck ao reproduzir o final da década de setenta inclusive no estilo de filmar, com câmaras instáveis que acompanham a tensão da cena. Como ator, no entanto, ele possui apenas uma expressão. Acho que estão enchendo muito a bola deste filme mais por questões de política externa. Mas, mesmo assim: é um bom filme, se der, vá e veja, não ficará decepcionado (a).

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O Panótico não viu aqui e agora (301)



França, 1815. Jean Valjean (Hugh Jackman) é um sentenciado que após cumprir dezenove anos de prisão por furtar um pão - (improvável, nem a legislação penal do Antigo Regime e nem a da França revolucionária eram assim tão extremadas, não li Victor Hugo, duvido muito que ele fosse um demagogo, do tipo que exagera inverossivelmente a exploração para ganhar simpatias para a crítica social) - recebe a sua primeira liberdade condicional. Portando um documento que alertava a todos sobre sua enorme periculosidade, o miserável não encontra emprego. Recebe a acolhida de um padre que lhe dá comida e abrigo por uma noite. Resolve furtar a prataria da igreja, é pego pela polícia e o padre salva-lhe a pele dizendo aos policiais que as preciosidades foram, na verdade, um presente. O padre pede a Valjean que aproveite a oportunidade e se torne um homem de bem e temente a Deus.

Montreuil-sur-mer, 1823. Jean Valjean é agora "Madeleine", um empresário e prefeito de uma cidade alpina. O seu ex-agente penitenciário Javert (Russell Crowe) o reconhece como um fugitivo da polícia. Paralelamente, Anne Hathaway é Fantine, uma de suas empregadas na manufatura, mas foi demitida por ser mãe solteira. A miserável vai cair na prostituição por falta de opções.

Eu não ia assistir este filme porque sinto-me muito miserável diante de musicais. Quando assisti Evita com Madonna achei o filme uma miséria e fui embora com menos de meia-hora de projeção. Mas me disseram que as canções deste filme eram bonitas e não ocupavam todo a obra. Iludi-me miseravelmente. As canções são um saco - a menos que você curta musicais tipo Broadway - as letras funcionam mal, mesmo em inglês. Russell Crowe e Hugh Jackman, embora cantem educadamente, não ganhariam muito dinheiro se sobrevivessem desta musa.

Quando Anne Hathaway abriu a boca e pôs-se a cantar miseravelmente mal, levantei-me com fome e à procura de um pão para o meu espírito.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

O Panótico vê aqui e agora (300)



Django Livre
(2013)




Em algum lugar do Texas, 1858. Dois traficantes de escravos conduzem pelo deserto algumas "peças" para serem vendidas. Um dentista alemão (Christoph Waltz) os encontra no meio do nada em plena noite à procura de um escravo específico (Jamie Foxx), e lhe pergunta se este é capaz de encontrar três irmãos fugitivos. O escravo diz que sim, o dentista apronta uma quizumba e liberta a ele e aos outros escravos.





O dentista Schultz na verdade é um "desperado", um caçador de recompensas, a serviço do Poder Judiciário de alguns estados sulistas e do Oeste. Django é o escravo adquirido por Schultz para encontrar três sentenciados. Schultz lhe promete a alforria se for bem sucedido.

Adorei o filme. Não bastasse as atuações sensacionais do brilhante Christoph Waltz, de Leonardo di Caprio e particularmente de Samuel Jackson como um escravo subserviente, o filme toma emprestado diversas características do cinema de faroeste italiano de outrora. 




Gostaria de frisar também que Django Livre é o filme que mais deixa em evidência o absurdo da instituição da escravidão, em um nível de dessensibilização que jamais vi em qualquer outro filme sobre o tema. O contraste entre uma sociedade francófona e com requintes do Romantismo com a luta de escravos até a morte para puro deleite de aristocratas sulistas é por demais gritante. Django Livre é filme para fazer você vibrar na sua poltrona.

Vida longa a Quentin Tarantino.





P.S. Por razões que eu não posso aceitar, algum ser que deve comer bosta de boi resolveu dublar este filme e mandá-lo para Juiz de Fora. É, meus leitores intergalácticos, é dura a vida de cinéfilos interioranos, já imaginou este que vos escreve ter que perder as falas originais de Waltz, Di Caprio e Samuel Jackson por que alguns entendem que o público têm preguiça de ler?!


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

My best loved 1973 rock albums (2)





Larks' tongues in aspic
(King Crimson)




"The ultimate failure of this, King Crimson's sixth album, lies in its acceptance of compromise. While the desire to soften the edges of experiment can draw in a wider section of the mass audience, it can never bring  the kind of rewards I believe Robert Fripp is looking for. The above, and everything that follows, is of course relative. At his very worst, Fripp could never descend to the kind of banalities we've heard lately from, say, the Moody Blues or Tempest. But he's aiming high, and must be judged accordingly. Anyone who's seen the current King Crimson in concert will know that's a magical band, capable of bringing off the most daring musical coups wich a panache unequalled on this side of the Atlantic, but when it come to make this album, I fear they lost some of their collective nerve." (Melody Maker, 31/03/1973, in: The essential King Crimson, p.23)



Da esquerda para a direita: John Wetton (voz e baixo), Bill Bruford (bateria e percussão, de macacão do Boston Bruins), David Cross (violino, à esquerda de Bruford) e o guitarrista e "dono" da banda, Robert Fripp.



"O fracasso final disto, o sexto álbum de King Crimson, fica na sua aceitação de um compromisso. Embora o desejo de suavizar as bordas de experiência possa alcançar uma parcela mais ampla da audiência de massa, nunca poderá trazer o tipo de recompensa que eu acredito que Robert Fripp está procurando. A descrição acima, e tudo que se segue, é relativo, obviamente. No seu pior, Fripp nunca poderia descer para o tipo de banalidades que temos ouvido ultimamente de, digamos, de Moody Blues ou do Tempest. Mas ele está pensando alto, e deve ser julgado de acordo. Qualquer um que tenha visto o atual King Crimson em concerto vai saber que é uma banda mágica, capaz de  chegar a um nível inigualável deste lado do Atlântico, mas com este álbum eu temo que a banda perdeu o seu "nervo" coletivo."




Conforme já contei em outro post, conheci o King Crimson de sopetão, no final de '81, e Larks' tongues in aspic foi o disco de que mais gostei. Um amigo chegou a afirmar solenemente para mim e outras pessoas que o King Crimson seria a maior banda do mundo. Achei passional, mas sem dúvida, após Genesis e Yes, foi a banda de rock progressivo de que mais gostei. Com este disco, o quinto (e não o sexto) álbum da banda, creio que o King Crimson adquiriu a sua melhor formação e o seu melhor estilo, aquilo que lhe deu uma cara, uma alma, uma personalidade. Com Robert Fripp na guitarra e no comando, o baixista e cantor John Wetton, o ex-Yes baterista Bill Bruford, o violinista David Cross, e somente neste lp o percussionista viajandão Jamie Muir, Larks' tongues in aspic é um disco a que posso ouvir a qualquer momento, e com exceção de Easy Money ainda gosto de todas as faixas. 


As muitas formações dos músicos do King Crimson


 O percussionista Jamie Muir, que apenas tocou neste álbum.


 John Wetton, uma voz mediana e o ícone da batera Bill Bruford.


Wetton, Bruford e Fripp, o trio final da primeira fase do King Crimson (1969-74)


Sem dúvida alguma, aqui reside o maior clássico da banda, Larks' tongues in Aspic II, uma faixa que além de brilhantemente pegajosa, é uma síntese da instrumentalidade progressiva, consegue combinar música contemplativa com vibração, orquestralidade, emoção, etc. Por ser uma banda um pouco mais pesada que Genesis e Yes, o King Crimson consegue, às vezes, expandir para outros públicos menos afeitos ao progressivo. 



Assim como os demais grupos de progressivo, o King Crimson foi frontalmente atacado pela imprensa, sem dó e nem piedade, dos EUA. Esta publicação acima - que acompanha uma caixa com quatro cds lançada em 1991 - contém todas as matérias publicadas sobre a banda entre 1968-91 na imprensa estadunidense e britânica. Invariavelmente, todas as opiniões da terra do Tio Sam são hostis ao King Crimson. A imprensa britânica é menos sistemática, mas adota um ponto de vista condescendente para com a galera de Robert Fripp. Felizmente, o público se orienta, mas não se subordina, a tudo que a crítica especializada diz.


My best loved 1983 rock albums (2)





Power, corruption & lies
(New Order)

Em 1985 a minha fonte de informação sobre rock era a horripilante revista Bizz, que adorava irritar os fãs de rock progressivo e simultaneamente promover qualquer bandinha inglesa independente, ou qualquer rapper estadunidense, como se fossem o que há de melhor no mundo. Tudo isto para na publicação do mês seguinte nos revelarem que estas bandas ou rappers não eram, na verdade, tão bons assim, mas que os indicados deste mês, estes sim, eram o suprassumo do que haveria de inovador dali em diante. Apesar disto, a Bizz era a única fonte de informação disponível, e nela escrevia Pepe Escobar, um ex-jornalista da Folha de São Paulo que àquela época residia em Londres e costumava acertar em cheio nas suas dicas, ainda que gostasse de escrever sobre as bandas de uma forma um tanto elíptica.




Pois bem, Pepe Escobar fez uma excelente matéria sobre duas bandas de Manchester, sendo uma continuidade da outra: Joy Division e New Order. Joy Division contva com o cantor Ian Curtis, um poeta um tanto deprimido, para dizer o mínimo, com letras sobre angústia e solidão. Ian Curtis dançava no palco como se estivesse sob efeito algo parecido com um ataque epilético, e sua figura magra, muito branca e com olhos esbugalhados, parecia uma boa personificação do que cantava. O Joy Division durou entre 1978-80, fez três excelentes álbuns, e após o suicídio de Ian Curtis, tema que já foi às telas em ótimo filme, os três membros remanescentes, o guitarrista Bernard Sumner, o tecladista Peter Hook e o baterista Stephen Morris convidaram a tecladista Gillian Gilbert e formaram o New Order.





Algumas meses depois fui à Belo Horizonte e lá assisti, em um anfiteatro da UFMG utilizado pelo DCE, a dois documentários: Here are the young men, com shows do Joy Division em Manchester e Eindhoven (Holanda), em 79-80, e a Taras Schevchenko, um show do New Order em uma casa cultural ucraniana em Nova York. Gostei muito de ambos e fui atrás dos discos das duas bandas. Adquiri o vinil nacional Closer  (1980) do Joy Division, mas somente havia cds importados caríssimos do New Order, e mesmo assim, sob encomenda. Universitário de tempo integral, sem mesada, e cujos únicos recursos para lazer provinham de uma bolsa de monitoria em História da Arte da UFJF, fiz o que os jovens duros de classe média faziam à época de cds importados a quarenta dólares: comprei uma fita gravada com dois álbuns do New Order: Power, corruptions and lies, e Brotherhood (1985).

O show do New Order a que assisti era mais mais fundamentado no primeiro álbum do grupo: Movement (1981), mas deu para sentir qual era a do grupo. Muito intimistas (o que mais tarde eu iria concluir que tinha mais a ver com a bronquice de jovens suburbanos semi-letrados), o guitarrista Bernard Sumner (na realidade, um sujeito semi-analfabeto conforme revelado em várias entrevistas dadas por ele e por Peter Hook) mal cantava, e chegava às vezes a tocar de costas para a plateia. Nenhum sorriso ou comunicação com o público, uma atitude que era vista como algo do tipo: "somos artistas, fazemos o que fazemos, gostem ou não, não estamos aqui para divertir". Com o tempo, fui perdendo interesse no New Order, apenas mais uma banda que toca para públicos consumidores de ácidos em raves.

Mas Power,corruption and lies é muito bom. Muito diferente do Joy Division, é um som em que os sintetizadores predominam sobre a guitarra desafinada de Sumner. Se o Joy Division era mais angustiante e reprimido, o som do New Order é mais... químico. A minha preferida é Your silent face.