Juiz de Fora

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O Panótico vê aqui e agora (192)


Electric Shadows
(2004)


Na Pequim atual um simplório ciclista entregador d'água é apaixonado por cinema. Reclamando do preço dos ingressos (equivalente a um décimo do salário mínimo chinês, dou-lhe bastante razão), o jovem de uns trinta anos é fã de filmes estadunidenses violentos. Certo dia voltando de uma sessão cai com a bicicleta em uma estreita rua cheia de tijolos jogados pelo caminho. Aparece uma moça (Ling-Ling) e, ao invés de ajudá-lo, dá-lhe uma tijolada na cabeça e põe-se a quebrar-lhe a bicicleta. Após acordar no hospital com o crânio enfaixado, o protagonista vai até a delegacia acarear a agressora. A moça, surda e um pouco perturbada, não lhe pede desculpas, não lhe indeniza e ainda suplica que ele vá em sua casa regularmente alimentar os seus peixinhos enquanto estiver presa pelo crime de lesão corporal grave.




O humilde entregador aceita a incumbência, vai ao apartamento da agressora Ling-Ling e dá de cara com um vasto material sobre o cinema chinês dos últimos setenta anos. A partir do diário da jovem vamos tomar conhecimento de sua infância na China dos últimos anos de Mao e os primeiros de Deng Xiao Bing (1972-85). No início da década de setenta a mãe de Ling-Ling era uma locutora de transmissões megafônicas da Revolução Cultural, em uma pequena cidade da Mongólia Interior (centro-norte chinês, no deserto de Gobi). Intimamente a bela e ingênua radialista sonhava em ser uma cantora como Zhou Xuan, atriz de grande sucesso na Shanghai pré-comunista, que morreu em 1957, de encefalite, quando era vítima de acusações por ser uma artista contrarrevolucionária. O entregador gosta tanto do que vê no apartamento de Ling-Ling que praticamente muda para lá.


A sonhadora mãe de Ling-Ling

Enquanto trabalhava para o Partido Comunista, a mãe de Ling-Ling engravidou de um militante que lhe induzia a acreditar que ela faria grande sucesso como sua ídolo Zhou Xuan. O cara sumiu, e a recém-nascida Ling-Ling quase foi abandonada pela mãe. Ling-Ling cresceu acreditando, por fala de sua mãe, que o pai era um antigo galã do cinema chinês dos anos quarenta.



Zhou Xuan (1918?-1957)


Este filme é tão bonito que dá até pena escrever sobre ele, rs...


Mao Xiaobing rouba o filme A guerrilha e a ferrovia.


Filho direto do cinema neo-realista italiano, e muito comparado a Cinema Paradiso (gostei mais deste chinês) Electric Shadows nos encanta. As personagens são naturalistas, ninguém banca o altruísta e ninguém é extremamente perverso. As decisões, certeiras ou equivocadas, são fruto da combinação dos interesses com as possibilidades. Há personagens cômicas e dramáticas, a comédia muda para a tragédia ao longo do filme. As grandes tomadas de paisagens são esplendorosas, fotografia de telona. A trilha sonora lembra filmes europeus dos anos setenta.




E como se não o fosse suficiente, estes dois garotinhos - o menino com cara de Alfred E. Newman, em particular - Mao Xiaobing e Ling-Ling, são o máximo. Dei risadas até dar dor de barriga.




Primeiro trabalho da diretora  Xiao Jiang, Electric Shadows (o equivalente a Filmes, em chinês) é um dos melhores filmes a que assisti nos últimos meses e um ótimo início de ano. Vi-o duas vezes seguidas. É impressionante, de cada dez filmes chineses lançados, eu gosto de oito ou nove (dos brasileiros, zero ou um, dos estadunidenses, dois ou três, dos europeus, quatro ou cinco, etc...)


O garoto Mao Xiaobing.


Um comentário:

  1. anotado. tb fiquei empolgada com o especial do bergman no telecine cult. já vi vários, mas vou gostar de conhecer alguns outros. beijos, pedrita

    ResponderExcluir