Juiz de Fora

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Número Zero (41)



Milão, 1992. Colonna é um homem de meia-idade que trabalha com jornalismo, abandonou uma universidade e se considera um perdedor. É contratado para criar matérias fantasiosas para os primeiros números pilotos do jornal Amanhã, de propriedade do "Comendador" um empresário rico que quer mostrar que é capaz de criar um jornal que funcione como gazua para sua entrada na elite política italiana. Colonna trabalha com uma equipe que vai se especializando em criar e manipular notícias com muito cinismo. O seu colega de redação Bragadoccio lhe fala de uma conspiração que teria tramado a "falsa" morte de Mussolini em 1945, envolvendo Máfia, Loja Maçônica P2, a CIA, o Vaticano, a Democracia Cristã e os neofascistas.

Francamente, quando comprei esta obra fiquei com um pé atrás. Eco escreve sempre muito bem e extensamente. Já li umas obras suas, ficção e acadêmicas, e este me pareceu sua criação menos frutífera. Repleto de diálogos que narram como a imprensa fabrica e manipula o que bem entende, não chega a ser um livro ruim, li-o em dois dias somente, mas o enredo e a trama não empolgam, ainda que envolva conspirações. Vamos ficar assim:se você o lê não perdeu nada, mas se tiver outras prioridade deixe-o de lado. Se nunca leu nada ficcional do grande semiótico de Alessandria eu indico Baudolino (li quatro vezes, nunca fiz isto com outro livro qualquer)

ECO, Umberto. Número Zero. 3.ªed. São Paulo: Record, 2015. 207p. R$35,00

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Reze para o diabo voltar ao inferno (425)


Reze para o diabo voltar ao inferno
(2008)



Libéria 1989-2005. Charles Taylor é um político e economista liberiano que após estudar nos EUA voltou ao ser país natal para roubar (1980-86), iniciar uma guerra civil (1989-97), governar como tirano (1997-2003) e está preso desde 2012 por milhares de crimes. Este filme trata da união de mulheres cristãs e muçulmanas pelo fim da guerra civil na Libéria (2003)




Na década de noventa eu tinha certeza absoluta que a África era um continente sem esperança. E não engolia a explicação simplista de que todos os problemas africanos eram resultado direto do imperialismo. A pobreza e a guerra civil do continente africano não tem explicação satisfatória sem levar em conta os interesses partidários, os conflitos étnicos e culturais.

Eu tinha noção sobre o contexto de Libéria e Serra Leoa por força dos filmes O senhor das armas e Diamantes de Sangue. Nunca tinha ouvido falar deste grupo de mulheres que soube encurralar tanto governo como oposição,ambos uns facínoras interessados em dinheiro, poder e violência extrema. De certa maneira elas foram precursoras da Primavera Árabe.

Excelente documentário, muito realista e sem apegar para a pregação gramsciana típica de documentários de esquerda.

No Netflix.

No calor da noite (424)


No calor da noite
(1967)




Mississipi, 1967. Um empresário é encontrado morto em uma pequena cidade (a fictícia "Sparta") por um policial. Este sai à procura do suposto assassino e prende Virgil Tubbs (Sidney Poitier) enquanto aguardava um trem para Memphis. Tubbs sofre racismo da parte do chefe de polícia Gillespie (Rod Steiger) mesmo após se identificar como policial de Filadélfia. O seu chefe no norte pede para que colabore na solução do homicídio, mas ninguém o quer na cidade, com exceção da viúva que condiciona somente continuar com os investimentos do falecido marido na cidade somente se Tubbs for admitido na investigação.

Este premiadíssimo filme é muito bom. Não só a investigação em si é muito intrigante, como a caracterização das posturas e mentes racistas do sul, sem apelar para caracaturas em momento algum ou idealizações gramscianas e politicamente corretas.

No Netflix.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O fantástico mundo de Juan Orol (423)


O fantástico mundo de Juan Orol
(2012)


Juan Orol (1897-1988) foi o nome artístico de um cineasta nascido na Galícia e que fez carreira no México e Cuba. Abandonado pela mãe e enviado à Cuba para viver com parentes, Orol trabalhou em diversas profissões até que desempregado (1927) iniciou uma carreira como produtor, diretor, roteirista e ator de cerca de sessenta filmes. As suas produções, a maioria em preto-e-branco, são dramalhões incrivelmente ruins tendo como chamarizes as suas cinco esposas/atrizes.


Nunca tinha ouvido falar deste Ed Wood mexicano. São inevitáveis as comparações. Se Ed Wood tinha uma quedinha por filmes de terror e ficção científica o rei do cinema B mexicano centrava na vida de gangsteres e em romances latinos. Juan Orol teve que lutar contra a falta de grana e não tinha menor noção da história do cinema e senso de ridículo. Quem gostou de Ed Wood de Tim Burton pode muito bem curtir esta produção que prima pelo humor negro.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Star Wars VII (422)



A República continua lutando contra o Lado Escuro da Força, agora chamada de Primeira Ordem. Um soldado que quer largar o exército se une à uma catadora de lixo para tentar encontrar o último Jedi vivo, Luke Skywalker. 

Nunca fui fã de Star Wars, mas assisti todos desde 1977 quando era adolescente. Gostei muito de Império Contra Ataca, mas achei o Retorno de Jedi bem infantil. Os filmes posteriores eu os vi e curti, mas não dou razão à tamanha nerdice que envolve esta série, muito pueril.

Fui ao cinema na primeira sessão de hoje, logo após a pré-estreia, pois acertadamente era o meu caminho para evitar multidões. Com umas dez pessoas pude desfrutar deste prazer cada vez mais raro que é ir ao cinema (aqui só passa blockbusters e o cinema nacional, este cinema gramsciano, populista e sub-Globo). Tive sossego e silêncio total durante toda a projeção.

A primeira meia-hora eu achei bem chatinha, quase peguei no sono, quase levantei-me para ir embora. A protagonista é uma espécie de Natalie Portman ou Keira Knightley: rebelde, esguia, arisca, levemente sexy, bem representativa da jovem mulher politicamente correta. Também politicamente correta foi a escolha de um afro-americano para primeiro coadjuvante.

O filme só melhora quando entra Han Solo (um envelhecido Harrison Ford com cabelo de Roberto Carlos) e seu drama familiar com a princesa Leia (Carrie Fisher, morri de pena, incrivelmente envelhecida para uma mulher de quase sessenta anos, parece que sofreu alguma doença degenerativa, não é possível). Há uma ponta de Max von Sidow, gostei.

Este episódio não vai desagradar aos fãs. Preserva todos os itens indispensáveis. Na verdade me pareceu uma versão upgrade do episódio IV que deu origem à saga. As lutas com sabres são ótimas. Tenho a impressão de que é o mais "adulto" da franquia. Direção do ótimo J. J. Abrams, de Super 8, que não pisa na bola.

Legendado. 3D. R$11,00 (meia).

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Perdidos na noite (421)


Perdidos na Noite
(1969)



Joe Buck (Jon Voight) é um lava-pratos texano que decide ganhar a vida como garoto de programa em Nova York, imaginando que irá faturar alto com o seu personagem de cowboy. Vai com a cara e a coragem para a Big Apple e lá dá de cara com um pequeno ladrão Rico Rizzo (Dustin Hoffman) que primeiro lhe passa a perna e depois quer ser o seu cafetão. Dois sujeitos à beira do desespero que passam a se cuidar mutuamente.

Conheço este filme de nome desde o final dos anos setenta e já o vi ser exibido na tv algumas vezes, mas nunca me interessei pelo tema. Fiquei impressionado com a crueza deste filme premiado com Oscar, algo surpreendente por nem de longe trazer mensagens edificantes ou finais recompensadores como é o gosto da Academia. O filme mostra sem piedade a vida dos excluídos do sistema na sua principal cidade estadunidense. Dirigido pelo inglês John Schlesinger.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Seis degraus de separação (420)


Seis degraus de separação
(1993)



Flan (Donald Sutherland) e Ouisa Kittredge (Stockard Channing) são marchands em Manhattan. "Paul Poitier" (Will Smith) bate-lhes à porta com um ferimento á faca após um roubo no Central Park. Alegando ser amigo de seus filhos que estudam em Harvard Paul pede apenas um curativo e uma nova camisa simultaneamente em que revela um interesse acima da média sobre arte, literatura, temas estéticos e filosóficos. O casal e um rico amigo sul-africano anti-apartheid (Ian McKellen) vão se deixando seduzir pelo papo do jovem ao mesmo tempo em que se gratificam por não serem racistas e acolherem gentilmente o jovem, que chega ao requinte de cozinhar para os idosos. Dizendo-se filho de Sidney Poitier, e não se sentindo afrodescendente por ter crescido na Europa, fica difícil acreditar na performance do jovem, mas os ricaços querem se iludir.



É uma pena que o filme é narrado com os espectadores sendo informados desde o início de que "Paul Poitier" pratica estelionato. O casal nutre as rodas de fofoqueiros com a sua desventura. Inicialmente eu pensei que este filme de que nunca tinha ouvido falar seria mais um abacaxi esnobe dos anos noventa, mas o filme vai crescendo com o tempo e se torna uma grata surpresa, comparando a futilidade da alta sociedade, o seu mundo vazio e aparente, mas o quanto ainda assim ele representa muito para quem os vê de fora.

No Netflix.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A batalha de Haditha (419)


A batalha de Haditha
(2008)



Haditha (Iraque), 2007. Um grupo de soldados e sub-oficiais, um bando de cabeças-de-bagre treinam para missões falando em matar, vingança, etc e tal. Paralelamente um ex-oficial iraquiano vendedor clandestino de bebida recebe quinhentos dólares da Al Qaeda para explodir uma bomba neste mesmo grupo de soldados. Famílias da região observam a bomba ser colocada em uma rua, mas ficam encurralados sobre que decisão tomar: se avisam os estadunidenses serão mortos pelos jihadistas, se se calam também podem sofrer as consequências. A bomba explode matando um soldado de uma equipe de cinco veículos, e o cabo responsável pela missão resolve se vingar nas famílias da região.

Este episódio desencadeou a guerra civil no Iraque naquela época (particularmente nunca tinha ouvido falar dele e para mim a guerra civil teria sido ininterrupta desde a invasão estadunidense em 2003). Vinte e quatro civis foram sumariamente executados, e nenhum deles tinha envolvimento com a Al Qaeda ou qualquer outra organização militar. É o melhor filme sobre o tema que eu vi até agora. Soldados e civis de ambos os lados são peões de poderes maiores, mas todos têm consciência do que estão aprontando. O realismo do filme se assemelha a um documentário e é particularmente interessante como a vida das personagens vai se encontrando e formando um todo,mais do que propriamente se "cruzando". Recomendo vivamente. No Netflix.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Beasts of no nation (418)



Beasts of no nation
(2015)


África ocidental, há alguns anos. Agu é um pré-adolescente que vive com a família em um campo de refugiados em algum país africano próximo à Nigéria (as filmagens foram em Gana). O exército confunde os refugiados com militantes de alguma facção rebelde e executa os homens. Agu foge após ver pai e irmãos serem assassinados. Escondido na floresta, Agu é capturado por um chefe de milícias de adolescentes e crianças. Agu é submetido a intenso stress e violações por parte do chefe brutal, pedófilo e usuário de drogas. Agu ainda sonha em reencontrar a mãe e a irmã e ter uma vida normal.

Achei que esta produção da Netflix fosse mais um filme na linha de O Senhor das Armas e Diamantes de Sangue: potências estrangeiras fornecendo armas à grupos étnicos rivais com chefes ególatras. Mas aqui há cenas iniciais de grande bom humor e inteligência, Agu sabe que o que é obrigado a fazer é errado, ainda há muita humanidade nele, e mesmo o chefe ambicioso possui algo de racional, não chega a ser um psicopata por completo, é uma peça do xadrez político, alguém que também é manipulado. Filme muito interessante, prende a atenção do início ao fim.

domingo, 25 de outubro de 2015

A história de Adèle H. (417)


A história de Adèle H.
(1975)



Halifax, 1863. Durante a Guerra de Secessão (1861-5) a Inglaterra cogitou de intervir nos EUA apoiando a Confederação. Enviou tropas para a capital da Nova Escócia, província canadense. Para lá foi o tenente inglês Albert Pinson e em seu percalço a jovem Adèle H. (Isabelle Adjani), a pretexto de ter sido enviada para cuidar de interesses da irmã junto ao oficial. A protagonista na verdade é louca pelo cara, que é mulherengo e não a mais.

Adèle Hugo (1830-1915) foi a quinta e última filha de Victor Hugo (1802-1885). Quando a família do escritor se exilou em Guernsey ela conheceu o oficial do exército inglês, recusou uma proposta sua de casamento, mas nos anos seguintes passou a segui-lo e tornou-se obcecada pelo jovem. Sustentada pelo pai, Adèle vai enlouquecendo gradativamente.

Este é o tipo do filme que conheço de nome desde os tempos do videocassette, há uns trinta anos. Nunca o vi acreditando ser muito romântico. E o é, num bom sentido. Dirigido pelo mestre Truffaut, o mais sedutor contador de estórias da Nouvelle Vague, é filme de uma época em que os franceses tinham um diferencial notório para com os filmes de Hollywood. Gostei demais do filme, Adjani realmente era uma grande atriz, e foi bom eu não conhecer nada sobre sua vida. Há algumas imprecisões, Adèle H. no filme aparenta ter uns vinte anos (na realidade tinha pelo menos trinta e dois) e não era a segunda filha do grande escritor francês (de quem nunca li nada, por sinal, e não sabia da extensão do seu reconhecimento junto ao público francês de sua época)

sábado, 24 de outubro de 2015

Ponte dos espiões (416)


Ponte dos Espiões
(2015)



Nova York e Berlim Oriental, 1957-61. Um "espião" soviético é preso nos EUA e um advogado especializado em seguros (Tom Hanks) é nomeado seu advogado dativo. Inicialmente resistente a lidar com esta causa, e já avisado de antemão que tudo seria um simulacro de juízo independente e imparcial, o defensor enfrenta pressões e hostilidades de todos os lados. Convicto da necessidade do devido processo legal e da ilegalidade da prisão de seu cliente, o advogado leva a defesa até a Suprema Corte. Paralelamente, é envolvido nas negociações do oficial da aeronáutica Francis Gary Powers, abatido em seu U2 quando espionava a URSS, preso e condenado a dez anos pelos russos.

Havia quatro boas razões para que eu fosse ver este filme: gosto de Tom Hanks, ele não entra em roubadas há muitos anos, Spielberg é pegajoso, mas com muito talento e correção política, roteiro dos irmãos Coen, eu fico com muita saudade de ir ao cinema, não tinha nada para fazer e é pertinho de casa. Então são seis razões.

O filme é razoável e plausível até a metade, embora inicialmente eu não desconfiasse se tratar de um caso verídico. A partir do momento em que a ação se desloca para Berlim Oriental eu detestei o filme. Berlim é tratada como uma gélida cidade, muito semelhante ao Gueto de Varsóvia, os militares da DDR são caracterizados como nazistas e o povo alemão como humilhados judeus em fila indiana. Ridículo, Spielberg não precisava, mais uma vez, nos relembrar do Holocausto. As negociações com os burocratas stalinistas são um saco, e, para falar a verdade, eu acho esta estória toda de espiões na Guerra Fria uma bobajada sem fim, encenação para aterrorizar o povão. Um filme decepcionante.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A dama dourada (415)


A dama dourada
(2015)


Los Angeles e Viena, 1998. Maria Altmann (Helen Mirren) é uma senhora judia austríaca, cuja rica família de Viena foi vítima do Holocausto, que decide entrar com uma ação judicial para recuperar o quadro que Gustav Klimt pintou de sua tia. Esta obra e outras do mesmo pintor encontram-se em posse de uma galeria vienense, e a protagonista quer aproveitar um programa governamental daquele país europeu no sentido de restituir as obras de arte roubadas durante o nazismo às suas famílias judias proprietárias Altmann contrata um escritório de advocacia que indica um novo funcionário, por coincidência neto do músico judeu austríaco Arnold Schönberg. O advogado demonstra pouco interesse sobre suas origens e pouca paciência com a idosa geniosa e um pouco rabugenta. Ciente de que o quadro de Klimt está avaliado em mais de cem milhões de dólares ele resolve correr atrás, indo à capital austríaca.




O filme baseado em fatos reais tem vários pontos de interesse: o tema da restituição das obras de arte, uma questão de justiça reparadora; as questões processuais e políticas envolvidas; e a atuação de Helen Mirren que tira de letra a personagem. Pode não agradar ser mais um filme sobre o Holocausto, a simplificação e os estereótipos jurídicos, a personagem pouco atraente do austríaco "consciente" (Daniel Brühl, sem muito o que fazer aqui) e a dedicação da protagonista à sua causa por questões meramente éticas e sentimentais pode não ser muito convincente. Mas é um filme interessante. Particularmente, torci para que as obras permanecessem na Áustria do que irem parar em algum banco estadunidense.

No Netflix brasileiro, onde raramente se vê bons filmes recentes.

domingo, 18 de outubro de 2015

Magia ao luar (414)



Magia ao luar
(2014)




Riviera, 1928. Stanley Crawford (Colin Firth) é um inglês ateu, racionalista, cético, mau-humorado, esnobe, etc. que atua como um mágico bem-sucedido na personagem de um chinês estereotipado. Um amigo mágico e seu rival o convida a desmascarar uma bela jovem estadunidense (Emma Stone) que faz carreira praticando estelionato como médium junto à famílias ricas. Crawford passa alguns dias em contato com a moça afirmando todo o tempo que ela é uma charlatã e disposto a prová-lo. Mas ele vai ter surpresas.

Temas aqui recorrentes nos filmes de Woody Allen: a oposição à metafísica, a defesa de uma visão racionalista do mundo, a infelicidade e perplexidade diante da falta de sentido na vida e a recusa em abraçar a religião apenas como conforto. Paralelamente, há a possibilidade ou não do amor entre pessoas muito diversas, quase opostas, a também perplexidade diante das escolhas racionais do coração. Lembrei-me de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen e também Tudo pode dar certo (2009) do mesmo diretor.

Talvez o espectador estranhe um pouco o didatismo do filme, as questões são bem óbvias, não é necessário que o protagonista explique a suas perspectivas de uma forma tão evidente, a menos que seja proposital para alcançar um público menos afeito aos filmes de Woody Allen. Ou menos afeito a qualquer filme que se tenha que pensar um pouco.

sábado, 17 de outubro de 2015

El artista (413)



El artista
(2008)


Um "enfermeiro" quase simplório cuida de um senhor em um asilo psiquiátrico e assume os seus desenhos e pinturas. Observa que arte dá dinheiro e entra meio de improviso no mundo do mercado pictográfico. Sem quaisquer referências e com um currículo maquiado, cai nas graças de um merchant e de um curador.


Este filme argentino e uruguaio faz uma crítica muito pertinente e satírico ao mundo dos desenhistas e pintores. Aqui as questões centrais da arte são colocadas em relevo, e principalmente os estereótipos do meio: artistas, curadores, negociantes, críticos, professores, estudantes, tietes, todo mundo é afetado, pedante e espertalhão. O bronco protagonista entra mudo e sai calado das entrevistas e vernissages e isto somente o torna ainda mais genial aos olhos da galera. 

O filme também vale pela fotografia.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Um toque de pecado (412)


Um toque de pecado
(2013)



Grandes cidades do sudeste e da China central na atualidade. Quatro estórias baseadas em fatos reais: um operário que quer protestar contra a privatização de uma mina estatal que beneficiou apenas o novo proprietário e políticos e burocratas corruptos; uma recepcionista que exige do amante casado que faça uma escolha; um ladrão que sustenta a sua família e raramente a vê; um empregado que muda de emprego e passa por dificuldades financeiras.



Nunca tinha ouvido falar do diretor Jia Zhang-Ke, que foi muito premiado por este filme. Não me espanta que Um toque de pecado tenha sido proibido na China, eu me pergunto como foi que ele sequer o produziu. É, sem dúvida, a melhor e mais frontal crítica ao capitalismo de Estado chinês. Nada daquela coisa venerável orientalista de cineastas tolerados ou oficiais que estamos acostumados a ver nos filmes chineses. Aqui é a violência do sistema se traduzindo em violência física. É o filme que os brasileiros gostariam de ter feito sobre o Brasil, mas estão entorpecidos pelo financiamento semi-oficial das empresas públicas.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

O Panótico lê aqui e agora (40)


Herejes
(Leonardo Padura, 2.ª ed., 2015)

Uma família de judeus alemães fogem do nazismo rumo aos EUA levando consigo um quadro de Rembrandt. Por questões burocráticas fazem uma parada em Havana e acabam vivendo quase vinte anos por lá, perdendo a posse do valioso quadro. De lá migram para os EUA, finalmente, em 1958. Em 2007 um herdeiro da família contrata o ex-policial Mario Conde para investigar o desaparecimento do Rembrandt que agora está em um leilão de Londres. A origem do enigma remonta à Cracóvia de 1648.

O ano passado deve ter sido o ano que menos li nas últimas décadas. Ter feito um mestrado em Literatura me deixou meio enfadado com a literatura. Um pouco de perda da minha acuidade visual e um certo desânimo tem feito com que eu leia umas vinte páginas por dia, bem abaixo da minha média que é em torno de cem. Por isto não tenho postado nada sobre as minhas últimas leituras.

Mas gostei muito de El hombre que amava a los perros, de Leonardo Padura Fuentes, sobre o assassinato de Trotsky. Comprei este lançamento na FNAC de Barcelona (9,95€, Max Tusquets, 516p.), mês passado, foi a primeira vez que volto de uma viagem com apenas um livro. Do mesmo autor havia lido Máscaras (Cia das Letras, 2000). Gostei, mas o tempo todo ressenti do autor não aprofundar a corrupção em Cuba por motivos óbvios. Já em El hombre... (há edição brasileira) ele solta o verbo, escreve como se vivesse em uma democracia, impressionante não ter sofrido represálias pela obra.

Menos pelo detetive Mário Conde e sua postura "oh, meu Deus, por que fui acreditar no comunismo quando era jovem?!" e mais pelo contexto judeus/obras de arte/Polônia resolvi ler este livro. De minha parte, a menos que tenha contato com outro autor de romances policiais realmente original (duvido) a minha tendência nos próximos anos é me afastar deste gênero. Acho que estudar a fundo criações culturais faz perder um pouco do encanto.

domingo, 2 de agosto de 2015

O bom cinema sobre pessoas comuns (411)



Lunchbox
(2013)




Fernandes é um homem de meia-idade que está prestes a se aposentar após trinta e cinco anos trabalhando em uma firma de contabilidade em Mumbai (Índia). Viúvo, é hostil a qualquer contato social e trata com rispidez os vizinhos e um amável trainee de sua empresa que se esforça em agradá-lo. Ila é uma jovem esposa e mãe de uma garotinha, a sua vida consiste em fazer almoço para o seu jovem marido que aparentemente não lhe ama mais. 

Um serviço de entrega de marmitas (real e reconhecido em Mumbai) entrega a marmita de Ila para Fernandes, e a marmita do restaurante para o que deveria ser Fernandes é entregue ao marido de Ila. Como a marmita de Fernandes retorna vazia para casa Ila deduz que ela não foi entregue ao marido que tem o hábito de não comer boa parte do que ela envia. Conversando com o marido ela confirma o erro, e agradece por meio de carta a Fernandes por ter devolvido os vasilhames. A partir daí ambos começam a corresponder.

Que falta faz o bom e velho cinema sobre os dilemas das pessoas comuns, sobre a riqueza do cotidiano dos mortais, se eu tivesse a oportunidade de ver a filmes como este uma vez por semana reclamaria menos de morar no Brasil.

Ontem e hoje, no Telecine Cult.

domingo, 19 de julho de 2015

Viagem à Barcelona





Convido os leitores a acompanharem o relato de nossa viagem à Barcelona, no meu outro blog. Mais de 2600 fotos e vídeos! Até lá e deixe o seu comentário, é muito importante. Um abraço.

www.enaldoviajando.blogspot.com.br

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Precisamos falar sobre os muitos kevins que há por aí. (410)





Eva (Tilda Swinton) é uma mãe de classe média, que eventualmente trabalha. Kevin é um garoto que desde muito pequeno possui uma expressão sinistra, meio distante, meio agressiva. Á medida que cresce passa a adotar uma postura rancorosa, hostil  e perversa contra a própria mãe. Diversamente, é infantil e dócil para com o pai babão, bancando o menininho quando já é adolescente. Simultaneamente, põe em risco a integridade da irmã caçula.



Desde o início do filme sabemos que há "algo errado" com o menino, mas o filme não nos facilita a vida, não nos é esclarecido se o maior problema é de natureza psiquiátrica ou ética, ou, simplificando, se Kevin é "doido" ou "mau". Sabemos que a mãe se sente culpada, que a comunidade a culpa por algo grave que só se revela, parcialmente, ao final, e que a genitora nunca quis muito ser mãe (o que é, tenho que dizer, o sentimento de nove entre nove mães contemporâneas, não vou dar refresco aqui).

Tive oportunidade de assistir este filme quando lançado, mas devido à uma resenha que li à época achei que se tratava de um filme que colocaria a culpa da delinquência juvenil no sistema, na sociedade, no ensino, nos professores e nos pais. Mas, surpreendentemente, este filme tem um tom fundamentalista, bem estadunidense, algo do tipo: se você é louco é porque é mau.

Vale muito pela atuação da andrógina Tilda Swinton, esta versão feminina de David Bowie, - embora isto pareça meio paradoxal de se dizer -, e os diversos atores que fazem Kevin.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Deus abençoe a América (409)



God bless America
(2011)



Frank é um funcionário de empresa divorciado e está infeliz com o comportamento e a cultura do americano médio atual: programas de auditório, reality shows, jornalistas republicanos, programas com adolescentes mimados, e "democracia" digital deixam o pobre-coitado deprimido com a falta de sentido nas relações humanas. Soma-se a isto o seu divórcio, a filha pré-adolescente cricri, e o fato de ter sido demitido por cortejar uma colega de trabalho.

Frank pensa em suicídio, mas vendo uma princesinha televisiva passar um sabão no pai que não lhe deu o carro que queria, muda de ideia e resolve tomar uma atitude. Para isto receberá o incentivo de uma adolescente rebelde.

Identifiquei-me rapidamente com as queixas de Frank, eu também não aguento mais a falta de educação generalizada e a cultura televisiva imbecilizante. Esta comédia de humor negro tem um final moralista que destoa do filme, mas acho que qualquer pessoa inteligente pode gostar dela.

No Netflix.

terça-feira, 21 de abril de 2015

O espião (408)


O espião
(2008)


Belfast, 1988. Martin McGartland é um irlandês católico que não encontra emprego e pratica pequenos furtos e falcatruas. Arisco, um amigo o quer recrutar para o IRA. Preso, um agente secreto inglês, "Fergus" (Ben Kingsley) o copta como informante. Martin inicialmente é mais um pilantra do que um militante, e gradativamente vai se horrorizando com a violência extrema do IRA.


Este filme foi levemente baseado na autobiografia do protagonista, e foi criticado por se distanciar demais dos fatos reais. Independentemente disto, é um filme muito bom, uma produção anglo-canadense que é bem crítica ao IRA e não é dócil aos ingleses. Eu apenas acreditei no IRA, um pouco, na adolescência, porque eu pensava que os católicos eram unanimidade ou maioria amplamente absoluta na Irlanda do Norte, é impressionante que a imprensa na época não esclarecesse o público sobre a maioria protestante e unionista naquela região.

Nunca tinha ouvido falar neste filme. No Netflix brasileiro.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Grandes Olhos (407)


Grandes Olhos
(2014)



Califórnia, 1958. Margaret (Amy Adams) é uma dona-de-casa e mãe de uma menina que decide fugir de casa na Carolina do Norte e vai para a costa oeste. Lá começa a pintar meninas com grandes olhos (imaginárias e pessoas reais). Walter Keane - o sempre excelente Christoph Waltz - é um pintor de cenas urbanas parisienses medianas (semelhantemente aos pintores de cidades barrocas mineiras) e bajulador. Os dois vendem os seus trabalhos em um parque. Walter dá de cima de Amy que, mesmo alertada por uma amiga de que o pintor seria um paquerador, decide, por insegurança, se casar com ex-morador da capital francesa. Keane tenta emplacar os quadros do casal, mas apenas os "olhos grandes" de Margaret encontram boa aceitação. É demais para o sonhador.

Este filme destoa um pouco do padrão de Tim Burton mas é tão bom quanto os demais. Baseados em uma história real, creio que o tem central é o auto-engano. Walter Keane assumiu a autoria dos quadros da esposa por muitos anos e meio que se realizou financeira e egoisticamente. Também nos perguntamos sobre a submissão e cumplicidade da esposa em participar de uma farsa.

Não é um filmaço, mas é o tipo do filme que poderia muito bem passar no circuito comercial de minha cidade, não se exige que seja um cinéfilo ou nerd para gostar de uma boa comédia sobre trapaça e vaidade.

domingo, 5 de abril de 2015

Histórias mínimas (406)


Histórias Mínimas
(2002)



Fitz Roy, Santa Cruz, Argentina. Três pessoas de um vilarejo à beira de uma estrada na desértica Patagônia querem viajar até a pequena San Julián, 300 km mais ao sul. Um senhor quase senil que é avisado por um conterrâneo que o seu cachorro foragido foi visto nesta cidade, uma simplória e tímida dona-de-casa jovem que foi selecionada para disputar um prêmio em um programa de tv e um representante comercial que está interessado em uma viúva.


Cada uma destas pessoas simples têm um sonho pequeno, mas que se revela muito importante. Este filme de Carlos Sorin (El Perro) é uma atraente comédia, nada de mais, mas as pessoas caricatas e seu mundinho nos tocam. Mais uma vez assisto um filme argentino que vale a pena.