Juiz de Fora

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O mais acessível dos Lars von Triers (357)


Ninfomaníaca. Volume I
(2013)

Joe (Charlotte Gainsbourg) é uma mulher inglesa encontrada desacordada e com traumatismo em uma rua por Seligman, um homem viúvo (Stelan Skarsgard). Joe não quer que o idoso chame uma ambulância ou a polícia, e aceita ser levada para sua casa. Lá ela conta a sua história e Seligman funciona como um ouvinte e terapeuta, embora mais afirmando o que crê do que lançando perguntas. Joe narra o seu interesse por sexo desde a infância, como perdeu a virgindade e como passou a deitar compulsivamente com qualquer um desde a adolescência. Joe se considera o pior dos seres humanos e sua narrativa tem o propósito de demonstrar por quê. O inteligente, culto e ético Seligman quer convencê-la do contrário.

Este é o sexto filme do cineasta dinamarquês Lars von Trier que assisto, e agora o conjunto de sua obra me faz mais sentido. Apesar do cinismo da narrativa, e do tom de comédia picante, von Trier é um humanista. A jovem Joe (Stacey Martin) afirma que o amor não tem a ver com o sexo, e ela não quer saber do primeiro. À medida que aprofunda no prazer quase automático sente cada vez menos o que quer que seja. Gostei bem deste filme, não há vanguardismos estéreis, é um filme que pode ser visto pelo grande público, com exceção de uma cena escatológica (as de sexo explícito não chegam a assustar e não são novidade no cinema sério, a não ser, talvez, pelo fato de Stacey Martin ser muito nova - e corajosa).


Foi a primeira vez que assisti um filme com lugares marcados, fruto de lei municipal recente, é ótimo poder comprá-lo, escolher calmamente no painel do guichê automático e não precisar guardar lugar na fila. Apesar do ingresso barato pelo luxo da sala (seis reais) tive que pagar mais outros sete pelo estacionamento. Só não gostei, mais uma vez, e isto não terá fim, das pessoas conversando, usando celular e uma jovem que comeu alimentos sintéticos malcheirosos sem parar durante hora e meia. Incomodou-me o fato dos mal-educados serem estudantes de uma faculdade de Psicologia que lá estavam no cinema como dever-de-casa.


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Bela porcaria. George Clooney se tornou um mala (356)



Vamos logo ganhar tempo. Este filme supostamente baseado em uma história real é insuportavelmente insosso, sem-graça, aborrecido, soporífero. É inacreditável, tem o ritmo e o tom de comédia leve de filmes como Goonies e produções sub-oficiais sobre a segunda guerra do período da guerra-fria. São toneladas de clichês sobre americanos, alemães, russos, e, mais uma vez, sobre os franceses. Fiquei o tempo todo pensando, quem é que dirigiu esta merda? Fiquei desconfiado do cartaz, e do tom Caçadores da Arca Perdida. Temi referências com O resgate do Soldado Ryan e Band of Brothers (não deu outra). Mas eu não podia imaginar que um filme com os ótimos Jean Dujardin e Cate Blanchett, e os bons Matt Damon e George Clooney pudesse ser um abacaxi tão grande. O didatismo do filme é odioso, toca uma melodia ridícula toda vez que aparece uma obra de arte, algo do tipo: "Plateia, sensibilize-se." Jean Dujardin está lá apenas para mostrar a sua marca registrada, o seu largo sorriso. Cate Blanchett faz uma assexuada francesa com um sotaque carregado que não faz justiça ao inglês muito bem falado pelos parisienses, a despeito da humanidade supor que é o inverso. Leva-se uma hora e quinze para que o filme tenha uma cena interessante. Só não levantei e fui embora porque não tinha nada melhor para fazer. E, ao final, quem é que dirigiu este pastiche? George Clooney.

Eu havia sentido uma certa pieguice de Clooney no filme sobre os havaianos, mas agora estou certo que ele é um tremendo chato.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Uma excelente animação, mas que não é (mesmo) para crianças.(355)


Uma aventura Lego
(2013)


Em Brickville (parece Nova York) todas as atividades (inclusive livros de História) são controladas pela empresa Octano. O presidente da Octano, o Sr.Negócios, é também presidente do país. O jovem operário de construção Emmet é um fiel seguidor das normas da empresa e do país, e tido como superficial e bobão pelos colegas de trabalho. Um sábio acredita que Emmet é um "Mestre Construtor", uma pessoa especial capaz de derrotar o poderoso Sr.Negócios que quer destruir os legos que insistem em desobedecer os manuais e substituí-los por seus fiéis robôs. Para ajudar Emmet há diversos super-heróis.


Este desenho é muuuuuito legal. As piadas são ótimas, as referências a filmes e desenhos, sensacionais, é tudo muito inteligente e divertido. É a animação mais crítica ao capitalismo avançado que já vi, é uma aula de economia política sintética. O Batman é um show, esperto, malandro, ágil, mais divertido do que o Batman de Christopher Nolan. A qualidade gráfica, como sempre, nos surpreende cada vez mais, é tudo muito bonito e bem feito. Dá vontade de ver só para prestar atenção nas ações que correm paralelamente a cada cena.



Gostaria de alertar os pais intergalácticos que leem o meu blog. Este não é um desenho aconselhável para crianças (mesmo). A trama é para adultos e há uma cena particularmente aterrorizadora, quando o vilão congela os pais de um personagem. É muito realista o sadismo, eu que tenho quase meio século de vida fiquei impressionado. Eu sei que no Brasil há um papo de que não se deve censurar nada, não se deve esconder as coisas dos menores e é hábito adultos falarem de assuntos pesados diante das crianças e as mesmas costumam ver novelas até altas horas. Na França metade dos pais não deixam os filhos verem tv antes dos seis anos de idade. Lá as crianças são tranquilas, falam baixo, eu vi isto de perto. Aqui basta entrar em qualquer escola e ver o nível de agitação de crianças e adolescentes. Deixem as crianças serem crianças.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Panótico lê aqui e agora (39)


O assassinato de Kennedy foi um dos fatos mais impactantes dos anos sessenta. Para os muito jovens: John Fitzgerald Kennedy (1917-63) foi um rico político católico e presidente democrata dos EUA (1961-63). Simboliza a luta contra a segregação racial no sul dos EUA assim como o auge da Guerra Fria com a crise dos mísseis soviéticos (1962) e sua (propositadamente) frustrada tentativa de deposição de Fidel Castro, a invasão da Baía dos Porcos (1961). Foi assassinado em Dallas, Texas, em novembro de 1963, na companhia de sua esposa, Jacqueline, e do primeiro casal do Texas.

Quando eu era estudante de História a morte de Kennedy evidenciava para mim duas coisas: democratas eram parcialmente diferentes de republicanos, e havia presidentes dos EUA que não eram meros serviçais da burguesia e do capitalismo, do contrário, por que ele teria sido brutalmente assassinado? (e mais uma vez eu percebia que meus colegas e professores marxistas estavam muito enganados).

O filme de Oliver Stone, JFK, pareceu-me uma explicação plausível para o homicídio: máfia, CIA, o complexo industrial-militar decidiu por fim ao seu mandato para poder mandar bala em uma nova guerra, a do Vietnã. Mas nunca deixei de achar que havia algumas incongruências na visão do cineasta baseada no inquérito do promotor Jim Garrison (vivido no filme por Kevin Costner)

Este livro do jornalista Philip Shenon, do New York Times e autor de outro livro sobre o 11 de setembro é o tipo de pesquisa histórica que dou valor. Longa e exaustivamente pesquisado, repleto de fontes, inclusive inéditas, o autor é extremamente minucioso e não se exime de discutir todas as hipóteses.

Reconstituindo o trabalho da comissão de advogados presididas pelo presidente da Suprema Corte na época, o autor expõe o seu raciocínio.

Atenção, se não quer saber sobre as hipóteses, não leia:

a) O assassino foi mesmo Lee Harvey Oswald. Motivos possíveis: complexo de inferioridade por diversas razões e/ou vontade de se gabaritar para um exílio em Cuba. Oswald frustrou-se na União Soviética, mas continuava um marxista.

b) Três tiros foram disparados contra Kennedy, mas todos partiram de Oswald, um bom atirador e cuja arma fora adquirida por ele, encontrada no sexto andar do prédio onde atirou e trabalhava como funcionário público.

c) A conspiração que existiu foi a da CIA, do FBI, do Serviço Secreto (não confundir com a CIA), e da polícia do Texas por uma série de erros primários de proteção ao presidente, esse povo todo "deu muito mole" e dificultaram as investigações para camuflar a própria incompetência.

d) a investigação do promotor Jim Parsons foi eivada de má-fé e parece de que de fato o homem era louco.

Surpreso? Não acredita? Há boas razões para a nossa incredulidade. Então que se vá ao livro. A leitura às vezes é tediosa, devido ao excesso de detalhes, vou avisando.

SHENON, Philip. Anatomia de um assassinato. A história secreta da morte de JFK. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 681p.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Não é uma obra-prima, mas não é produto de trapaça (354)



Trapaça
(2013)


Nova York e New Jersey, 1978. Um casal de escroques - um dono de lavanderias (Christian Bale) e uma stripper (Amy Adams) - são pegos em flagrante por agiotagem e outros delitos, e pressionados a colaborar com um ambicioso agente do FBI (Bradley Cooper) que tenciona prender políticos e mafiosos.

O filme não tem nada de original, e é até meio lento em se tratando de produções estadunidenses, as comparações com O lobo de Wall Street e com a filmografia de Scorsese me parecem exageradas. Mas salvam-se: o canastra Christian Bale pela primeira vez me parece um grande ator; a bela Amy Adams lembra-me a norueguesa Liv Ulmann, musa e ex-amante de Bergman; Jennifer Lawrence de novo interpreta (muito bem) uma piradinha; e a trilha sonora, ah, meus caros e minhas caras, se você tem mais de quarenta e viveu as "brincadeiras dançantes" dos anos setenta com certeza vai adorar.

É o tipo do filme que se não ver não perdeu nada, mas se vê-lo vai gostar.



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Roubava livros mas não roubou a minha atenção (353)



Alemanha, 1938. Uma menina é levada para viver com um casal simplório em uma cidade indefinida após a prisão de sua mãe comunista. Analfabeta, ela sofre bullying na escola, com exceção de um garoto fã do corredor Jesse Owens que se apaixona por ela. A menina assiste uma grande queima de livros pelos nazistas paralelamente ao seu processo de aprendizagem. Toma gosto por livros no que é apoiada pela esposa rica do prefeito nazista, por um refugiado judeu que se abriga junto aos pais adotivos e pelo próprio dono da casa.

Quando este livro foi lançado no Brasil eu quase o comprei. Mas meu faro para literatura de segunda me alertou, pois a editora não me inspira confiança (na verdade, em matéria de literatura estrangeira eu apenas ponho a mão no fogo pela Companhia das Letras). O filme me faz lembrar O caçador de pipas, best-seller que li e vi em tela, mas que considero apelativo, feito para sensibilizar o público estadunidense, utilizando-se de um tema válido e sério mas com abordagem caricata.

Este filme aqui é um abacaxi. O nazismo já é aterrorizador o bastante para necessitar de caricaturas. A menina ser analfabeta é inverossímil, já que era filha de comunistas alemães. A sua postura diante da perda do irmão mais novo, a perda da mãe, a sua adoção por um novo lar pouco receptivo, o tratamento sofrido na escola, etc e tal, é de um grau de maturidade implausível. O filme é muito didático, as pessoas de bem são muito boazinhas e sensíveis, as de má índole parecem vilões de desenhos animados da tv. É aquela coisa nojentinha do tipo: "Olhe, espectador, estes nazistas não são uns malvados? os judeus e os comunistas não merecem melhor tratamento? a cultura não é algo maravilhoso, não é feio queimar livros? as pessoas inteligentes não são sensíveis?".



Ir aos cinemas em noites úteis já não garante sossego. Mesmo com uma dúzia de espectadores não tive sorte de poder ver o filme em silêncio. À minha direita, na extremidade, um casalzinho falou durante todo o tempo, e à minha esquerda, na outra extremidade, uma jovem ligou o celular uma meia dúzia de vezes projetando uma luz branca em minha direção. Como eu vi que ela não desconfiava, lhe dirigi a palavra: "Moça, esta luz está me atrapalhando" "Oh, descuuulpa!". E aí, ela desligou de vez? Não, menos de dez minutos depois lá foi a tonta ligar novamente o celular (e o casal tagarelando). Pensei, ou dou um esporro (não devo) ou saio do filme que já estava ruim que chega há mais de uma hora. Decidi ir embora.

Quero ver como vou fazer para assistir Trapaça.

O Panótico quase perde um grande final (352)


Acima: o marido da filha cabeleireira, a própria, a esposa do primogênito médico, o próprio.
Abaixo: o caçula, okasaotosan e a namorada do caçula.


Uma família de Tóquio
(2013)


Um casal de japoneses que mora em uma pequena ilha, um professor aposentado e uma dona-de-casa, resolve rever os três filhos que vivem em Tóquio, cidade que jamais visitaram (Bom, eu conheço as capitais de três países mas nunca fui à Brasília). O filho mais velho é médico e mora na periferia da capital japonesa. Casado, sua esposa é a típica dedicada dona-de-casa e mãe, com dois filhos, um adolescente que não gosta de estudar e um garoto. A irmã do meio é cabeleireira e o caçula trabalha como assistente de cenários em uma companhia de teatro.


O pai tem orgulho do filho mais velho, reconhece que mimou a filha, mas guarda forte frustração contra o filho caçula, tido como inconsequente. A mãe é risonha, sente empatia por todos, nutre um carinho pelo marido que é raro de se ver entre casais longevos. Os filhos veem os pais como um fardo, não ao estilo latino como nos filmes italianos e brasileiros, mas com um senso de dever e reverência pelos ancestrais. Os pais sentem-se infelizes por perturbar o quotidiano dos filhos e netos, mas ressentem a falta de proximidade dos mesmos.


Este filme é um remake do clássico Era uma vez em Tóquio do cineasta Yasujiro Ozu (1903-63). Até alguns anos atrás eu pensava que o cinema nipônico se resumia a Kurosawa e Oshima (o que não é pouca coisa), mas lendo blogues especializados observei o culto existente a este cineasta. Não é para mim, é excessivamente lento e bate sempre na mesma tecla: o capitalismo desumaniza as pessoas, todos vivem em função da luta pela sobrevivência, as relações sinceras não tem como triunfar. Há uma meticulosa abordagem do microcosmo familiar, há riqueza de detalhes nos gestos e atitudes, e há o peso dos diálogos. Tudo sem trilha sonora ou efeitos impactantes, é preciso estar atento. Comecei a ver este filme mais pelas locações de Tóquio, já sabia que rumo tomaria. Mas...

...um dos últimos diálogos é incrivelmente belo.