Juiz de Fora

domingo, 15 de maio de 2011

O Panótico vê aqui e agora (105)


Fora da lei
(2010)

Em 1985 assisti "A batalha de Argel", sem saber de que se tratava de um clássico. O filme, uma obra realista de qualidade, abordava o crescimento da Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina, e sua repressão pelas tropas francesas do general Massu, um psicopata que se aplicava choques elétricos para verificar a eficiência da tortura contra os militantes daquela organização revolucionária. Sem acreditar no maniqueísmo típico deste gênero político curti de montão o filme, mesmo assim, pois o roteiro era muito envolvente. Naquela época diversos professores meus comentaram que era dificílimo, ou mesmo impossível, encontrar alguma obra acadêmica sobre a independência da Argélia nas livrarias francesas (assim como sobre o Estado Novo salazarista, nas livrarias portuguesas). Recordo-me também que ainda se falava de estudantes brasileiros que pretendiam ir treinar guerrilha na Argélia, um anacronismo de pelo menos uma década, porque na verdade a galera jovem de extrema-esquerda tinha mais romantismo por Cuba ou pela Nicarágua sandinista.



Este Fora da Lei se inicia em uma área rural argelina, em 1925, quando uma família de posseiros recebe uma ordem judicial de reintegração de posse ao titular do domínio pelas mãos de um delegado local (alcaide). A luz amarela acendeu na minha mente: mais um filme sobre a expulsão dos camponeses de sua terra. Mas em seguida a trama desloca-se para 8 de maio de 1945, quando a derrota dos nazistas deixa a Argélia governada por Vichy momentaneamente sem governo sólido, e a população (masculina) de Argel aproveita para fazer uma passeata pela independência da colônia francesa. Um policial civil mata um manifestante e segue-se uma absurda e desproporcional repressão.



A família da cena inicial lá estava. O idoso pai é morto e restam a mãe e os três filhos protagonistas: Masseaud vai para a Indochina, como soldado do exército francês a ser derrotado pelos vietnamitas de Ho Chi Minh; Abdelkhader foi preso na manifestação, condenado e transferido para uma penitenciária em Paris; o caçula Said, mais interessado em boxe do que em política, convence a mãe a se mudarem para a capital francesa.

Em 1955 lá estão os três irmãos: o primogênito Masseaud larga o exército convencido de que os argelinos, assim como os vietnamitas, poderiam derrotar o imperialismo francês. Abdelkhader sai da prisão direto para funções de chefia na FLN, e o pragmático Said entra para a criminalidade.



O roteiro é interessante, fortemente inspirado em clássicos filmes de gângsteres, a fotografia é muito boa (o diretor Rachid Mouchareb é o mesmo de London River, aqui resenhado há algumas semanas atrás)., e as personagens são capazes de ganhar a atenção do público, mesmo o menos afeito a temas políticos. Há os típicos clichês do gênero: o pragmático apolítico mas que as circunstâncias o levam para a questão social; o idealista de juventude que se vai tornando uma pessoa estreita, sem ponderações; o revolucionário que não perdeu a dimensão humana, a "ternura" pelo próximo, e que vê suas ações violentas como algo "necessário" mas sabe que isto o afasta das pessoas que ama; o policial arrivista disposto a toda a violência para ganhar uma promoção; o policial que defende a ordem mas compreende os adversários; a mãe que ama os filhos mas tolera a sua luta política; a mulher muçulmana submissa; a mulher europeia independente.

Como relato histórico deixa muitas lacunas. Li que houve grande repercussão em sua exibição no Festival de Cannes, e segurança policial extra para o diretor franco-argelino Mouchareb. O filme é mais simpático aos argelinos do que aos franceses. Bom, é o mínimo que se espera, o contrário é que seria espantoso.

Gostei muito, it's only a movie, but I like it.

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