A primeira vez que eu li sobre os punks foi em uma matéria da revista brasileira Pop, no final de 1978. Intitulava-se, bem viva na minha memória: "Punk: rock de protesto ou teatro de horror?". O texto dizia, basicamente, que os punks eram anárquicos, violentos e não sabiam tocar coisa alguma. Eu, começando a descobrir o rock progressivo, entendi de cara que o punk era o antagonista do que pretendia ouvir em matéria de rock.
No ano seguinte, Sid Vicious, baixista dos fundadores Sex Pistols e viciado em heroína matou, culposamente, a namorada Nancy (há filme razoável sobre a estória: Sid & Nancy, de 1986, com Gary Oldman no papel principal). Houve amplíssima cobertura no mundo ocidental e a revista Manchete deixou claro que o punk não era opção dos jovens de família. A minha opinião sobre o punk manteve-se de pé.
Em 1980 a Veja fez uma resenha sobre Sandinista! do Clash, um álbum triplo bem variado (muito bom e que não tem nada de punk) e deu para perceber, inclusive pela foto da resenha, que parte dos anarquistas queriam entrar para o sistema, - fato que não me preocupava aos quinze anos de idade -, mas pelo menos pretendiam aprender a tocar música, e eu pensei: qualidade musical, no rock, eu já ouço com Genesis e congêneres.
Em 1981 a revista Som Três publicou um especial, escrito pelo casal de jornalistas José Emílio Rondeau e Ana Maria Bahiana, com as dez melhores bandas de rock de todos os tempos. Segundo a revista eram elas: Beatles, Rolling Stones, Cream, Crosby, Steals, Nash & Young, Traffic, The Who, Yes, Pink Floyd e Sex Pistols. No mesmo ano, ao final, li O que é punk, de Antônio Bivar, da coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense, um livro muito interessante que fazia um panorama da cultura jovem, inseria o punk no seu devido contexto e apresentava a Guerra de Estilos na música inglesa (começava a new wave, inicialmente um punk filtrado). Ao final, um capítulo com os punks paulistas: Clemente e os Inocentes, a coletânea Olho Seco e João Gordo com os Ratos do Porão.
Em 1982 os vídeos de God Save the Queen e Anarchy in UK, dos Sex Pistosls, foram exibidos algumas vezes no programa Onda 82, na TVE, e finalmente eu consegui ouvir música punk. Como eu não esperava grande coisa, não fiquei empolgado e nem decepcionado, mesmo porque: música de apenas três acordes?!... A chamada atitude do grupo valia como registro, pois de grosseria e bronquice já bastava os meus colegas da escola técnica, eu queria ser adulto, no entanto.
No mesmo ano fui pela primeira vez a São Paulo e lá vi os primeiros punks brasileiros. Achei legal a novidade, não tão atraente quanto os originais, mas não me deu vontade de ser um deles, isto não era para adolescentes tímidos de classe média bem familiar. Deste ano em diante todo mundo já conhecia o discurso: os punks eram jovens proletários em uma Inglaterra decadente reagindo contra a ausência de perspectivas, gravando singles por quinhentas libras arrumados com bicos ou com parentes, tocando músicas de três acordes, tudo isto em repulsa a bandas dinossáuricas que faziam um som viajandão e chegavam a cobrar absurdas quinze libras o ingresso, como o...Pink Floyd! (Quem pagou quinhentos e cinquenta reais por um ingresso do U2 ou seiscentos para ver Black Eyed Peas em playback, o que diria?!)
O Floyd foi vítima pelo fato de Johnny Rotten, o líder dos Pistols, usar uma camisa que afirmava odiá-los. Esta ladainha foi repetida ad infinitum pela imprensa britânica e copiada pelos lacaios da indústria fonográfica aqui na imprensa especializada da Terra brasilis, ao longo das décadas de oitenta e noventa. Não interessava às gravadoras verem garotos pagando três vezes o preço de um vinil por álbuns importados de progressivo e hard rock nas lojinhas especializadas dos grandes centros. Jornalistas muitas das vezes são empregados de empresas que vivem dos seus anúncios publicitários. Mas eles eram zelosos demais dos interesses dos seus patrões. A grande novidade de uma edição era repudiada nas edições seguintes em prol de outra grande novidade. O punk e seus descendentes tiveram todos os minutos de fama a que poderiam querer.
A revista Bizz afirmava que o som do progressivo eram "velhas fórmulas do Genesis e Yes", e ofereciam como alternativa qualquer bandinha medíocre idolatrada pela NME e Melody Maker. Eu engolia em seco e mantive as velas acesas para ambas opções: continuei fã de progressivo e dei crédito às novas bandas. Valeu a pena. Não perdi os setenta e nem os oitenta.
Em 1986 o clássico dos Sex Pistols Never Mind the Bullocks foi lançado no Brasil, e eu o adquiri na Presentex, uma lojinha de sertanejos do centro de Juiz de Fora que vendia vinis a preços incrivelmente baratos, por uma mágica comercial de seu proprietário que elegeu-se vereador em boa parte em função disto, segundo se dizia, e parece realmente ter sido assim. O impacto era mínimo, diante do lançamento de Psychocandy, do Jesus & Mary Chain, o qual também o perderia diante do Psalm 69 do Ministry, seis anos após. O Pink Floyd tem pelo menos meia dúzia de discos que impressionam, ainda hoje.
No final da década de oitenta o que mais se falava era sobre o fato das bandas punks se venderem ao sistema. Politicamente, o punk não deu um arranhão sequer no capitalismo. Musicalmente abriu espaços para centenas de boas bandas e dezenas de subdivisões da música pop. Mas quem deu ouvidos à cantilena anti-progressivo se deu mal:
"(...) de uns cinco anos para cá [2001], quando ouvi Meddle pela primeira vez e gostei de metade. E eu me senti meio enganado, porque quando estava na escola a crença popular pós-punk é de que o Floyd era um lixo"
Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead
Cf. REYNOLDS, Simon. Beijar o Céu. São Paulo: Conrad, 2006. Pág..187.
É impressionante que um músico, vivendo na Inglaterra, de classe média, universitário, integrante de uma banda tão importante, tenha ouvido um grupo como o Pink Floyd apenas vinte e cinco anos depois.
O mundo não é afetado pelo fato das pessoas ouvirem ou não ouvirem determinado tipo de música. Mas você, sim. O preconceito tem duas vítimas: o alvo dele e o seu agente.
Encerro com Jon Anderson (Yes): Open your mind.
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