Uma das questões políticas que mais me preocupa é a de que como é possível a democracia gerar ditaduras, e ditaduras com pendores totalitários com massivo apoio popular. A ascensão de Hitler, em janeiro de 1933, ao posto de Chanceler, e a destruição do estado democrático de direito, falho, mas ainda assim democrático, estabelecido pela república de Weimar, ainda é um tema para debates e pesquisas. Reproduzo aqui importante parágrafo da maior biografia do fuehrer já escrita:
"Hitler é chanceler do Reich. É como se fosse um conto de fadas", anotou Goebbels. Com efeito, o extraordinário acontecera. O que poucos, além dos nazistas fanáticos, julgavam possível havia menos de um ano se tornara realidade. Contra todas as probalidades, a obstinação agressiva de Hitler - consequência da falta de alternativas - dera resultado. O que ele fora incapaz de realizar por si mesmo, seus "amigos" nos altos escalões realizaram por ele. O "ninguém de Viena", o "soldado desconhecido", o demagogo de cervejaria, o líder daquilo que durante anos não passava de um partido lunático marginal, um homem sem credenciais para dirigir uma sofisticada máquina estatal - sendo praticamente sua única qualificação a capacidade de arrigementar o apoio das massas nacionalistas cujos instintos básicos tinha um talento incomum para provocar - recebera em suas mãos o governo de um dos principais países da Europa. Suas intenções estavam claras havia muitos anos. Apesar de suas declarações sobre seguir o caminho legal até o poder, cabeças iriam rolar, ele havia dito. Os judeus seriam "removidos", ele havia dito. A Alemanha reconstruiria o vigor das suas Forças Armadas, destruiria os grilhões de Versalhes, conquistaria "pela espada" a terra que precisava para seu "espaço vital", ele havia dito. Uns poucos levavam a sério suas palavras e achavam que ele era perigoso. Mas muitíssimo mais gente, da direita à esquerda do espectro político - consevadores, liberais, socialistas e comunistas -, subestimou suas intenções e instintos inescrupulosos de poder, ao mesmo tempo que desdenhou de suas capacidades. A subestimação da esquerda, ao menos, não foi responsável pela sua ascensão ao poder. Socialistas, comunistas e sindicatos foram todos pouco mais do que espectadores, com sua capacidade para influenciar os eventos castradas desde 1930. Foi a cegueira da direita conservadora para os perigos tão evidentes - resultado de sua determinação de eliminar a democracia e destruir o socialismo, e o consequente impasse governamental cujo desenvolvimento havia permitido - que entregou o poder de um Estado-nação contendo toda a agressão acumulada de um gigante ferido nas mãos do perigoso líder de uma quadrilha de gângsteres políticos."
(In: KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. Pp. 287-8)
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