Juiz de Fora

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Panótico vê aqui e agora (187)




A minha viagem à Itália
(1999)





Assim como em Uma viagem pessoal com Martin Scorsese pelo cinema americano (1995) este documentário de quatro horas é um capítulo da história do cinema como um relato autobiográfico de alguém que faz e realmente gosta de cinema. Tanto pode ser visto como uma boa introdução ao cinema, para os mais jovens, como uma oportunidade de escolher aquilo que se quer ver dos clássicos, sim, porque os vinte e seis filmes são aqui abordados com cenas inteiras, com grande tempo para que o espectador possa assimilar o que está assistindo.



Eu achei muito interessante, e as quatro horas se desenvolvem com fluidez, não chega a cansar. É interessante conhecer e perceber o que há de repetitivo no cinema convencional, de onde vem a inspiração de boa parte do cinema mundial.




O tema central é o neo-realismo do pós-guerra. Os dez anos posteriores à II guerra mundial ocupam oitenta por cento do documentário. Esta história é razoavelmente conhecida do público mais afeito ao cinema, mas o mais interessante é que Scorsese nos revela detalhes da produção que não dá para perceber, a menos que você leia e estude cinema, o que não é o meu caso.




Os nomes chaves do neo-realismo foram: Roberto Rosselini, com Roma, cidade aberta, Paisá,  Alemanha, ano zero. Vittorio de Sica, com Ladrões de Bicicleta e Luchino Visconti com Obsessão e  A Terra treme. De Sica, Rosselini e Visconti não combinaram entre si de criarem o neo-realismo: foi mais um resultado da falta de grana para fazer filmes, o que os obrigou a contratarem amadores. Boa parte do realismo vem da falta de recursos cinematográficos. Independentemente disto, a ruptura criada por um cinema preso ao quotidiano dos indivíduos comuns influenciou e influencia uma gama mundial: a Nouvelle Vague francesa, o Cinema Novo brasileiro, e as produções iranianas e de Formosa, além do cinema estadunidense, claro.




Roma, cidade aberta é tão impactante, e o selo do realismo está na filmagem de verdadeiras tropas nazistas em Roma, feitas por Rosselini. Muito impressionante é o drama de um garotinho alemão na Berlim arrasada de 1947, em Alemanha, ano zero. Ladrões de Bicicleta é o filme mais antigo de que tenho notícia em que amadores dão grande dramaticidade a um filme, um emblema perfeito de que o sistema pressiona as pessoas a trilharem o caminho da marginalidade, um mote repetido à exaustão pelo cinema ao sul do mundo. Umberto D., sobre um professor que empobrece, mas se recusa a pedir esmolas, foi uma obra que me convenceu a olhar com mais compaixão para a ruína alheia. Mas dos três fundadores do neo-realismo, eu penso que foi Luchino Visconti quem levou a própria carreira a um nível mais constante de qualidade.



A terceira parte do documentário se inicia com a obra de Michelangelo Antonioni, A aventura (1960). Antes o cinema discutia a pobreza do pós-guerra gerando opressão na Itália, o homem como fruto do meio, o presente e o futuro do indivíduo preso ao sistema de classes e à política de modo geral. Agora, a questão é outra: o homem não alcança a felicidade porque não sabe como atingi-la e também não saberia o que fazer com ela. É o cinema existencialista. Scorsese enumera os cineastas que, tal como Antonioni, estavam ansiosos por experimentar: Godard, Truffaut, e Resnais na França; Glauber Rocha no Brasil, Oshima no Japão e mais alguns. A Influência do neo-realismo italisno é maior do que normalmente se gosta de admitir.



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