Juiz de Fora

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Panótico vê aqui e agora (272)


O estudante
(2010)



Quênia, alguns anos atrás. Em 2003 o governo do Quênia anunciou que qualquer pessoa teria direito a ensino gratuito. Kimani Maruge, um miserável trabalhador rural, 84 anos de idade e portador de deficiência, após ouvir a notícia no rádio, e segurando algo como um testamento na mão, resolve se matricular na escola fundamental local. Ao chegar lá, a dublê de professora e diretora e seu assistente recusam a matricular Maruge apenas por ele ser idoso, perguntam-lhe por quer estudar com esta idade, Maruge lhes explica, e eles usam como pretexto para não matriculá-lo o fato do pobre agricultor não ter dois cadernos e um lápis. O homem retorna no dia seguinte com o material e agora lhe dizem que ele não possui uniforme. O destemido Maruge providencia o bendito uniforme e a diretora, meio que a contragosto, aceita o novo velho aluno. Maruge vai ter que ralar muito para conseguir o que quer.
 
Este filme é tão significativo que eu tenho que numerar os tópicos.
 
1. Maruge é da etnia kikuyu. Os kikuyu são o maior grupo étnico do Quênia, mas muito longe de ser maioria absoluta. Eram tradicionalmente agricultores, mas com a colonização inglesa (1888) suas terras foram expropriadas ou desapropriadas pela Cia. das Índias Ocidentais para construir uma ferrovia. Em 1953 os kikuyu foram a base tribal da revolta Mau Mau, contra os britânicos e seus aliados kalenjin, outro grupo nativo importante. A revolta Mau Mau foi debelada em alguns anos, o Quênia tornou-se independente em 1963, mas pelo filme dá para ver que a história não foi saneada.
 
 
 
 
2. Maruge foi um militante Mau Mau, e sua esposa e filho foram mortos por soldados nativos sob supervisão britânica. Maruge foi torturado na ocasião. Ele diz que um homem que não sabe ler é tão importante como uma cabra. Apenas a diretora/professora se sensibiliza pelo drama do pobre homem.
 
3. A escola que Maruge se matricula é a escola mais sem recursos que vi na vida, nem no sertão brasileiro é tão miserável assim. Não tem muros, as carteiras são para quatro alunos, cinquenta meninos de diversas idades para serem alfabetizados por sala, é cuspe e giz e mais nada. Mesmo assim, nunca vi professores hostilizarem um idoso por querer aprender, duvido muito que a formação pedagógica e humana dos docentes quenianos seja assim tão ruim.
 
4. Maruge não banca o sábio indígena típico de filmes americanos, que diante da intolerância alheia reage com humildade monástica e vai orar para os antepassados, pelo contrário. Cada vez que pegam no seu pé o protagonista se orgulha de ter sido Mau Mau e acusa os kalenjin de terem sido legalistas e subservientes ao domínio britânico. O ator que fez Maruge realmente parece ter sido o próprio personagem, é incrivelmente realista.
 
 
 
5. Contrastando com a miséria da desértica aldeia, vemos modernas construções na capital Nairóbi, é visível que o filme critica a corrupção e politicagem das elites africanas. Aqui não tem aquela coisa: ah, toda e qualquer violência e corrupção no continente africano é culpa do imperialismo e do neocolonialismo. Numa palavra, assim como o mensalão não é culpa dos EUA e de Portugal, a explicação para a pobreza da educação queniana tem que ser buscada também nos gabinetes do Ministério da Educação de lá.
 
6. E o Maruge? Mandam ele para escola supletiva de adultos, ele não se adapta com os adolescentes e jovens repetentes (como acontece aqui, exatamente igual), ele quer ficar com os meninos, mas pais das crianças e o governo querem dar um basta no sonho de Maruge.
 
 
 
7. E o cinema africano? É o segundo filme africano de qualidade que assisto. Daqui a pouco a África vai competir conosco.
 
O estudante é baseado numa história real.

2 comentários:

  1. eu não vou ler o q vc enumerou, já amei o primeiro parágrafo, pq quero ver, anotadíssimo. depois q ver venho aqui ler tudo e recomentar. beijos, pedrita

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