Juiz de Fora

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O Panótico lê aqui e agora (15)



O império do efêmero
(Gilles Lipovetsky/ed.2009)


Decidi dar um pequeno break nas minhas leituras literárias porque já se estão acumulando e misturando o prazer com o dever, e assim, ao ler Rubião e Murilo Mendes, por exemplo, já não consigo distinguir mais o que é deleite do que é obrigação. Assim como os gregos antigos eu gosto de conhecer por conhecer, não gosto de ler pensando que o meu yakisoba vegetariano de cada dia depende disto. Se um dia eu chegar à conclusão de que estou fazendo o meu mestrado em Literatura movido apenas por interesse econômico eu chuto o pau da barraca. Estudar sem prazer não dá.



Bom, para evitar que isto aconteça eu me rebelo um pouco e busco outras leituras, e este O império do efêmero veio bem a calhar. Uma das atividades humanas que menos me provoca interesse é a tal da moda. Adolescente na década de setenta, e por alguns anos católico praticante, sempre identifiquei a moda como futilidade, ostentação, pobreza de espírito, maria vai com as outras, falta de personalidade, etc. Assim, por exemplo, as reportagens sobre moda não conseguiram de mim nenhum segundo de atenção. Ah, claro, foi fácil identificar a moda como assunto privado de dondocas e pessoas com imensa ansiedade por chamar a atenção alheia.

A formação em História consolidou esta impressão: moda é um produto do capitalismo: uma peça do vestuário que duraria alguns anos vai ser deixada de lado porque a indústria quer que você compre outra logo, de preferência mudando tudo pelo menos a cada seis meses. É a vitória da aparência sobre a essência, é mais um traço de poder econômico e exclusão social, etc. No filme Prêt-à-porter, o fotógrafo de moda vivido por Stephen Rea afirma: "Eu ganho dinheiro com a insegurança dos outros"...



Mas professor de História precisa estar atento a tudo o que diz respeito às sociedades humanas, e de uns vinte anos para cá a moda foi adquirindo um peso cada vez maior nas decisões econômicas globais. Quem diria que até técnico bronco de futebol, como o Dunga, iria dar atenção ao próprio vestuário?!




Esta obra de Gilles Lipovetsky, um acadêmico com sólida formação filosófica, aborda isto tudo que a intuição de qualquer pessoa crítica é capaz de detectar, mas com qualidade acadêmica e com a seriedade de quem se debruçou sobre o tema. E aí o autor nos chama atenção sobre algumas coisas:

1. A moda não é um fenômeno universal, ahistórico, antropológico. Ela surgiu com autonomia somente a partir de meados do século XIV. O vestuário até então existente nas diversas sociedades seguia padrões pré-estabelecidos, e não tinham relação com a originalidade, a novidade, ou a individualidade.


O casamento dos esposos Arnolfini, de Jan Van Eyck (1434). Segundo Lipovetsky o ventre "é sublinhado por saquinhos proeminentes escondidos sob o vestido". (p.31)

2. A moda é um sintoma do pequeno interesse pelo coletivo, o comportamento do eleitor se assemelha ao do consumidor, os indivíduos estão atomizados.

3. "A Moda produz inseparavelmente o melhor e o pior, a informação 24 h por dia e o grau zero de pensamento".

4. "A Moda consumada vive de paradoxos: a inconsciência favorece a consciência; suas loucuras, o espírito da tolerância; seu mimetismo, o individualismo; sua frivolidade, o respeito pelos direitos do homem. No filme acelerado da história moderna, começa-se a verificar que, dentre todos os roteiros, o da Moda é o menos pior."


O silêncio dos inocentes banca este luxo todo.


Lipovetsky escreve sobre o tema há mais de vinte anos, esta obra é de 1987, e em entrevistas ele deixa transparecer a sua admiração pela moda, e até já andou faturando por se associar a eventos do ramo. A leitura de Império do efêmero não vai fazer com que eu ache normal alguém pagar milhares de reais por peças do vestuário, e nem a me regozijar com as pessoas quando saem por aí, orgulhosas, a dizer que estão endividadas no cartão de crédito por adquirirem roupas que não vão usar e nem podem pagar. Isto tudo é irracional, frívolo e doentio demais para mim. Também não acredito que vai me permitir ter novas experiências estéticas e morrer de admiração pelo trabalho dos artistas da moda. Não passei a gostar de rock progressivo, por exemplo, aos quatorze anos, por meio de algum texto filosófico que me abriu os olhos. Gosto é muito pessoal, e tem pouco a ver com a educação dos sentidos. Mas se eu entender um pouco melhor como funciona esta indústria a leitura terá valido a pena.


2 comentários:

  1. Achei muito interessante esse post. Para começar, percebo no seu discurso uma flexibilidade para compreender a moda apesar de suas impressões sobre o tema. O que é bem raro.

    Para mim, estudar moda na "academia" é justamente percebê-la em suas perspectivas além do mercado. E, ainda, é um desafio motivador.

    Voltarei mais vezes! :)

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  2. Miuxapop,seja muito bem-vinda e obrigado por comentar.

    Desculpe as abobrinhas de homem bronco do interior,rs. e você foi bem tolerante comigo, rs...

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