Juiz de Fora

quarta-feira, 23 de março de 2011

O Panótico lê aqui e agora (11)


A democracia na América
(Alexis de Tocqueville, 1835)

O estudante de graduação de ciências humanas usualmente angustia-se com a vastidão do que ele deverá ler para adquirir uma boa formação. Aos dezoito anos eu ficava meio desanimado com esta vultosa tarefa, e havia dois agravantes: a grana curta e o fato de que, em plenos anos oitenta, entre comprar um disco de rock ou um livro, eu quase sempre escolhia o primeiro. Mas há um terceiro agravante: confiar em seus professores. Fui ouvir sobre Alexis de Tocqueville em uma disciplina intitulada História das Ideias Políticas III, lá nos idos do Rock in Rio I (1985). O professor, um notório intelectual de proeminente família de políticos e intelectuais, analisou o pensador francês: um liberal-conservador, admirador dos EUA, mas que distinguia-se dos demais liberais por perceber que uma revolta política se instaura com mais frequência em um regime semiaberto do que em um regime fechado. Dito isto, a referência condescendente a um intelectual pré-marxista só poderia ter a seguinte razão se de ser: o filósofo do materialismo histórico com certeza copiou algo dele.

Envelhecer tem um mérito intelectual: você passa a dar um valor danado a quem possui ideias simplesmente porque a maioria das pessoas é acomodada demais para se arriscar a tê-las. Um a um, os grandes filósofos explicados pela abordagem marxista convencional foram se agigantando diante de mim: os gregos, os romanos, os árabes medievais, Spinoza, os racionalistas, Thomas Hobbes (um verdadeiro Leviatã), os iluministas, os "liberais-conservadores", Adam Smith, e o próprio Marx, por que não? Tocqueville lhes faz companhia.

Com origem na baixa nobreza francesa Alexis de Tocqueville (1805-1859) foi o equivalente ao promotor de justiça da atualidade. Indignado com uma punição a um amigo, também do Ministério Público francês, e antipático à monarquia de Luís Filipe de Orléans (1830-48), largou o seu ofício e empreendeu uma viagem aos Estados Unidos com a intenção de estudar o sistema representativo estadunidense o qual acreditava que poderia servir de modelo às monarquias liberais europeias. Convicto da inevitabilidade da democracia e do igualitarismo político, esta obra é uma análise vanguardista sobre os mecanismos de participação política nas sociedades modernas. Até o presente momento, não vi nada de conservador em seu pensamento, não é uma obra de alerta para os perigos da democracia, e nem um manual sobre como evitar a ascensão política do povo. As instituições políticas modificam-se em certa consonância com os conflitos sociais, não caem do céu e nem são meras consequências dos combates de interesses. Para qualquer pessoa que queira entender como uma democracia pode funcionar, se estabelecer, enfrentar dilemas, esta obra é um clássico.


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