Aquiles e a tartaruga é comumente apresentado como tema introdutório nos cursos de Filosofia, um péssimo recurso didático cujo resultado não poderia ser outro: afastar, de vez, o interesse (nenhum) do jovem estudante de primeiro período que já possui antipatia prévia àquele ramo do conhecimento, e acabará chegando á conclusão, prematura, mas persistente, de que filosofia é para diletantes: consiste em afirmar que uma tartaruga, disputando uma corrida e saindo a uma certa distância de vantagem com relação ao concorrente humano, jamais será por ele alcançada, guardando sempre uma pequena vantagem. (Interessando-se por uma explicação mais consistente procure pelo Paradoxo de Zenão de Eléia). Este raciocínio facilmente contrariado pela experiência prática é o título deste ótimo filme japonês de Takeshi Kitano.
Um garoto rico e provinciano gosta de pintar e é estimulado por um suposto mestre de sua localidade que assim o faz com o intuito de bajular o poderoso pai empresário consumidor de pinturas para adquirir ares aristocráticos (típico). A sua fábrica quebra, o patrão comete suicídio, e o menino órfão passa por grandes dificuldades. Mas continua pintando o que vê. Ninguém mais lhe dá qualquer crédito, a não ser um louco e a sua primeira namorada. Adulto, busca embarcar em todas as sugestões de um marchand, não as compreende, passa a imitá-las de forma caricatural, e não dá uma dentro. O filme trata de sua luta inglória para tentar vender um quadro que fosse. Lembra-me muito os filmes italianos que dramatizavam, com humor, o insucesso das pessoas comuns. Feijão, sonho e emoções.
Como uma série de quadrinhos sobre adolescentes e jovens pode agradar ao leitor adulto, inclusive ao que já passou dos trinta há muito tempo? Com humor. Scott Pilgrim tem ótimas tiradas que ganham a simpatia do leitor e o convence a ir adiante. O protagonista é um jovem canadense de 23 anos, que não se "lembra" se terminou a faculdade ou não, mora de favor com um amigo gay - com o qual divide a cama, por falta de grana e espaço- resolve namorar uma colegial de dezessete, e que por esta razão aguenta as gozações de sua banda, na qual toca baixo, e não quer conversar com a irmã sobre procurar um emprego. Esta edição brasileira contém os dois primeiros livros da série (seis ao todo, a partir de 2004) e que fundamentaram o filme homônimo. Sobre este posso dizer que preserva os melhores diálogos da hq, e o ator que faz Scott (Michael Cera) não lhe é semelhante, é mais sonso do que espevitado, mas caiu bem na personagem. Assim como uma fala bem colocada ("os quadrinhos são melhores do que o filme"), sem dúvida, os quadrinhos são superiores à produção para as telas. A transição de uma narrativa convencional para um jogo de videogame pode irritar o leitor/espectador, mas é o marco inovador desta série.
Daqui a pouco vou ao MAM (no prédio da reitoria da UFJF) ver duas exposições que estão nos últimos dias. E enquanto isto estava assistindo pela oitava vez o documentário Heima, do Sigur Rós, e passeando na Islândia por meio do Google Earth (êta programinha porreta) quando vi uma foto 360° deste museu. O Sagamuseum é dedicado à história da Islândia, tendo por fonte as suas sagas (crônicas oficiais). O visitante pode conhecê-la ouvindo um cd, em cinco línguas diferentes, na sequência acima. Não é lá estas coisas, o que eu gostei mesmo foi da construção, e desta abóboda. Já pensou em almoçar com este céu acima?
O Sigur Rós (Rosa da Vitória) é uma banda islandesa que teve um grande reconhecimento de crítica e de público, graças em parte ao circuito universitário estadunidense, e esteve no Brasil, no início da década tocando no Free Jazz Festival (que não é exatamente um festival de jazz). Von (Esperança) nem era considerado o primeiro álbum da banda, e realmente destoa dos demais. Mas destoa positivamente, uma primeira audição me dá impressão de ser um trabalho mais eletrônico, e é o álbum que apresenta-se mais constante. Destaque para a faixa-título.
Ágaetis Byrjun (1999)
Ágaetis Byrjun (Um bom começo) foi o álbum que deu o mundo para o Sigur Rós. Formado por Jón Birgisson (vocais e guitarra), Georgi Holm (baixo), Kjartan Sveisson (teclados) e Orri Dýrason (percussão), a banda canta em sua língua natal (e sequer verte os títulos para o inglês, como é usual no mercado fonográfico) e em "vonlenska" (palavras inventadas para caírem bem nas melodias, uma influência clara de Liz Fraser, dos Cocteau Twins, que assim o cantou em sete álbuns). O som é etéreo, melancólico e quase único. Quando ganhei e ouvi uma única vez este cd a sua música não me atingiu, pois a sua associação com Belle and Sebastien, preferida dos emos paulistas e cariocas, e o sucesso dos islandeses com o público da terra dos bravos me deixou indignado: qualé?! os brutos também amam? agora os orcs, uruk-hais e trolls são seduzidos pelos elfos?? Destaque para Svefn-g-englar, Starálfur, e a belíssima faixa-título.
( ) (2002)
Este bonito álbum é todo cantado em vonlenska. Inicialmente foi lançado sem títulos (por isto os parênteses) mas até mesmo os artistas estão sujeitos ao ordenamento jurídico, e as gravadoras são bem zelosas dos direitos autorais (para elas), e a banda voltou atrás.
Takk (2005)
Takk me parece superior ao anterior, e serviu de base para o documentário Heima, esta obra de um deus que não existe. É difícil não se render ao impacto de Glósóli (Sol radiante).
Med sud i eyrum vid spilum medalaust (2008)
O quinto cd do Sigur Rós já entrou quente nas charts quando de seu lançamento, e a banda se não é mainstream não está muito longe dele, embora a tendência daqui para frente é perder público (mas que capa feia esta). Consciente disto a banda fez deste álbum algo mais pop, com mais guitarras e a primeira faixa em inglês. O cantor Jónsi lançou este ano um cd solo (Go), mas fica para depois.
Ontem foi a primeira vez, em quarenta anos, que tivemos uma ceia de natal em nossa residência (sempre vamos nas dos demais parentes, uma feliz tradição que não se deve perder). Para marcar este acontecimento tão especial deixo aqui duas cenas que simbolizam o amor que sinto pela minha filha e a felicidade que sinto por minha (grande) família: Peter Gabriel e sua filha Melanie, e Sígur Rós com familiares e amigos em um café, na Islândia.
Estes são os meus desejos e aspirações, improváveis e impossíveis, para o novo ano do calendário cristão (obrigatório somente para um terço da humanidade).
O governo de Barack Obama começar a surtir efeitos positivos, calando a boca da esquerda e da direita, do norte e do sul.
O fim da miséria.
A democratização das ditaduras.
A desaceleração da corrida armamentista.
As pessoas respeitarem as ruas.
Os motoristas respeitarem quem trafega nos limites de velocidade (como eu).
Algumas magistras cessarem de falar aula "geRminada" e alunos "DE menores" no meu campo auditivo.
1.º) Coldplay - A rush of blood to the head (2002)
Separei da minha coleção de mais de mil e seiscentos cds os cerca de cem que foram lançados nesta década (que culpa tenho eu da pobreza da música pop de quinze anos para cá?). Fiz um apanhado de uns trinta e aqui estão os dez "melhores" de rock e pop (britânicos, a maioria). O meu critério foi cento e dez por cento subjetivo, totalmente hedonístico: os melhores álbuns são aqueles que eu tive mais prazer em ouvir por um longo período, em casa ou no carro, as composições que me emocionaram, alegraram, me colocaram para cima, me deram prazer em viver... Não levei em conta sucesso de vendas, aplausos da crítica especializada, escândalos, adesão do público, cara de mau, etc.
O segundo álbum do Coldplay foi ouvido diariamente por mim ao longo de um ano. Belas melodias, banda competente, carismática e compromissada, ótimos shows, a bela voz do cantor Chris Martin, emoção a toda prova. Minha preferida: Warning Sign.
2.º) Interpol - Turn on the bright lights (2002)
Comprei este cd pela capa, pura intuição de roqueiro balzaco. Ao ouvir, que legal, esta banda inglesa parece Joy Division, faz um som bem anos oitenta. Mas, olhe só, é estadunidense, quem diria. Não tem ninguém, no entanto, aqui falando que vai para cama com todas, que bate e apanha, que trafica, que vai suicidar, que vai se drogar e beber até cair. Bom, já dizia Paulo Francis que Nova Iorque não fica nos EUA (Manhattan menos ainda). Sei lá se isto é verdade. Predileta: NYC.
3.º) U2 - How to dismantle an atomic bomb (2004)
Acompanho a trajetória do U2 desde '85, não sou mais um grande fã, mas com exceção de Rattle andHum ('88), Bono Vox e companhia continuam compondo muito, e sabendo o quê e quando lançar os seus cds. Este álbum é quase todo bom, e o melhor desde Achtung,baby! ('91). Escolhida: Crumbs from your table.
4.º) King Crimson - The power to believe (2003)
A mais intensa banda de rock progressivo da história possui um mérito peculiar: se não estiver criando nada de bom não lança como álbum oficial. Currículo se respeita. O King Crimson do virtuose guitarrista Robert Fripp interrompeu as atividades em 1974, retornou entre 1981-4, voltou em '95, e em 2003 lançou o décimo segundo álbum: músicos ultracompetentes, farto material instrumental, evolução e conceito, o rock progressivo ainda dá alguns resultados significativos na mão da velha guarda.
5.º) Morrissey - Ringleader of the tormentors (2006)
Morrissey é um dos melhores letristas do rock. Após a saída dos Smiths (1983-7) Morrissey fez uma série de discos bem ruinzinhos, embora com grande sucesso. Aos poucos ele foi retornando à qualidade de sua banda original, passei novamente a acompanhar os seus cds, e este é o seu melhor trabalho, um disco bom por completo. Minha preferida: Life is a pigsty.
6.º) Depeche Mode -Playing the angel (2005)
Depeche Mode é disparada uma das melhores bandas da década de oitenta e a melhor de technopop. Ganhou enorme credibilidade a partir de Violator (1990) e a via crucis do cantor Dave Gahan, grande voz, refletiu sobre o trabalho do tecladista Martin Gore, compositor da banda. Tal como o King Crimson, Depeche Mode não coloca qualquer coisa à venda no mercado.. Minha preferida: Precious.
7.ª) David Bowie - Heathen (2002)
Eu gosto muito do trabalho de Bowie menos pelo seu enorme legado para a estética pop contemporânea do que pelas canções em si. Variando desde obras primas (Low, Heroes, Station to Station, Ziggy Stardust, e mais alguns) até nulidades (Never let me down e Reality), Bowie manda bem neste Heathen, deixando um pouco de lado o impacto visual e privilegiando boas melodias. Preferida: Slip away.
8.º) Ulrich Schnauss - Goodbye (2007)
Conheci Ulrich Schnauss procurando por coisas novas,e as capas de seus cds chamaram a minha atenção. Música eletrônica, este alemão fã de Cocteau Twins (o ep que fez com Robin Guthrie, Quicksand, é imperdível) e shoegaze faz um som que muito me agrada, algo mais elaborado do que technopop, mas acessível. Minha predileta é Medusa.
9.º) Oasis - Heathen Chemistry (2002)
Se eu vinculasse o que ouço nos cds com o que eu ouço nas entrevistas eu jamais poderia ter gostado tanto do Oasis. Mas, noves fora a arrogância de Liam Gallagher, os dois irmãos (principalmente o compositor e guitarrista Noel) foram uma senhora banda dos noventa (lado a lado com Blur) e fizeram meia dúzia de excelentes cds. Favorita: Stop crying your heart out.
10.ª) Do as Infinity - Break of Dawn (2001)
Popizinho pegajoso e sem-vergonha este, bom tudo o que deve. Cantado em japonês (pelo menos o meu cd), banda competente, boas orquestrações, a voz ótima de quem? Tomiko Van. Encontrei este cd numa lojinha do centro de Juiz de Fora. De coração: Raven. Cante o pesado refrão comigo:
Sakebigo wa ga kodama noyouni
Hibiki wa garu ah ah
Dakusshita [bajono] omoidasezu
Nakija kuruyo ah ah ah
O dono do selo escocês 17 seconds - a quem eu devo o fato de ter conhecido a banda Mew - publicou a sua lista dos cinquenta melhores álbuns deste ano (eu teria dificuldade para concordar que esta década produziu cinquenta cds que valham a pena). É uma boa dica para se procurar por novos sons, por quem é do meio e vive no centro do rock. Mas não gostei. O novo Interpol e Senior, do Röyksopp, são muito superiores a dezenas de discos que foram selecionados.
Jafar Panahi, diretor de "O balão branco", - um premiado e bonito filme que trata das desventuras de uma garotinha que quer comprar um peixinho -, foi condenado pelo Estado iraniano a uma sentença de seis anos de prisão, vedação a fazer filmes por vinte anos, proibição de sair do país e de dar entrevistas. Panahi foi denunciado e condenado por subversão e conspiração contra o regime, por ser militante ambientalista. A sentença é recorrível. A ditadura iraniana já passou dos trinta anos, não possui legitimidade devido às últimas eleições fraudulentas e o povo persa não sabe o que é democracia desde o golpe que derrubou o governo do nacionalista Mossadegh, em 1953, com ajuda da CIA e dos britânicos.
Eu nem vou dizer muita coisa sobre este filme. Eu poderia dizer que a Islândia, assim como os demais paises escandinavos, mexe comigo desde que, por volta dos dez anos, assisti a um filme sobre os vikings invadindo a Inglaterra de Eduardo, o confessor (século XI). Eu poderia dizer que Sugarcubes foi a melhor banda do final dos anos oitenta. Eu poderia dizer que na Islândia as crianças terminam o "primário" falando quatro línguas. Eu poderia dizer que o primeiro livro de Tin-tin que li foi sua aventura no Ártico. Mas não vou dizer isto não, rs... Heima (Terra natal) é uma obra de arte, a fotografia é maravilhosa, o som da banda não tem paralelo (e eu agora pude compreendê-lo e aceitá-lo). Mais sobre Heima não falo. Veja e ouça.