Doze anos de escravidão
(2013)
Sul dos EUA, 1841-53. Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um músico afro-americano talentoso e livre, vivendo em Nova York, com um padrão de vida de classe média, com família e prestigiado pelos brancos que o conhecem. Viajando a trabalho é sequestrado, confundido com um escravo de sobrenome Platt e levado para a Geórgia e outros estados escravocratas para trabalhar para diferentes donos. Durante doze anos é obrigado a esconder a própria identidade e sofre e/ou presencia os horrores da escravidão.
Assisti este filme com os dois pés atrás: um por ser de Steve McQueen, que já havia mitificado o terrorista Bob Sands e o IRA em Hunger e me cansado a feiura com uma atriz cantando New York, New York, de Sinatra, irch!, em tom melancólico; o outro pelo fato deste diretor ser queridinho dos afetados, e realizar um filme do tipo: "veja e ame, senão você é racista". Surpreendi-me positivamente, no entanto.
McQueen manteve a qualidade fotográfica de seus dois filmes anteriores. Northup no início é tratado com dignidade por todos, e tem a altivez e a compostura de um ser humano integrado e aceito na sociedade que o cerca. Não sei se o norte de meados dos século XIX tinha a postura da esquerda "liberal" do mundo contemporâneo, mas o contraste com o modo como é tratado no sul serve como eixo do filme. O sul é claustrofóbico, opressor e doentio. Fiquei o tempo todo comparando o filme com o Django Livre, gostaria de saber se superou, e de que forma, a análise da escravidão. Parece-me que o filme de McQueen é mais profundo. A escravidão no do ótimo Tarantino é enfocada no que ela tem de cerceadora e violenta: o indivíduo não se locomove livremente e ainda por cima apanha. Aqui a escravidão atravessa o indivíduo, consome as suas entranhas, retira-lhe boa parte de sua força.
No entanto, Northrup consegue manter a racionalidade, aceita o que pode e o que não pode suportar para manter de pé o seu objetivo que é o de restabelecer a sua liberdade. Muito importante no filme é a questão da unidade sócio-econômica, a fazenda é um vasto espaço aberto, não há cercas, mas é um mundo isolado e quase infenso ao exterior. Recorre-se constantemente à placidez do cenário, as referências ridículas à tentativa da elite de simular a cultura europeia - tal como filme de Tarantino e nas demais sociedades escravistas da América.
Há uma cena particularmente bonita do filme, o modo como a música é elaborada pelos escravos. O precursor dos blues e gospel já foi tratado no cinema e na produção acadêmica como lúdico e/ou marco do ritmo do trabalho. No filme de McQueen ele é um canto que vem do fundo das almas sofridas, achei que o seu contexto originário ficou bem alinhavado.
O longo relacionamento entre o fazendeiro Edwin Epps (Michael Fassbender, excelente como sempre) com a escrava Patsey (a premiada queniana Lupita Nyong'o), e por tabela, com Northrup/Platt, não é original no cinema, o dominador ama e odeia o dominado, despreza e inveja os seus méritos, a alta produtividade e sensualidade da escrava, o talento musical e a postura educada do protagonista. Epps fundamenta o seu sadismo na religião e no direito civil vigente, é o "educador" dos escravos e seu proprietário.Em suma, o que há de apelativo e marketing para levar o Oscar, com um tema edificante,não chega a comprometer o filme.
Fiquei curioso como o livro de Northup que deu origem ao filme ficou por tanto tempo ignorado da literatura, da historiografia e do próprio cinema, por que Spike Lee não o utilizou duas décadas atrás?
eu tb gostei bastante, eu tinha ressalvas pq o cinema americano muitas vezes sucumbe ao melodrama qd fala de questões sociais. e achei o filme bem arrojado em mostrar a hipocrisia religiosa dos senhores de escravos e a indiferença das esposas que pareciam viver em outro mundo. parece q a companhia das letras vai editar o livro. não tenho certeza, vou checar. beijos, pedrita
ResponderExcluirisso mesmo http://www.companhiadasletras.com.br/penguin/titulo.php?codigo=85133
ResponderExcluirEu vou comprá-lo e lê-lo, há lacunas no filme. A segunda patroa é mais sádica do que indiferente.
ResponderExcluir