Juiz de Fora

sábado, 22 de março de 2014

Polanski decepciona com um filme previsível (362)


Venus in Furs
(2013)


Um dramaturgo parisiense (Matthieu Amalric) quer encontrar uma atriz para o papel de Vanda, protagonista do clássico A Venus em peles (1870) do escritor austríaco Leopold Masoch, que deu origem ao tema masoquismo, conforme o próprio filme explica nos diálogos iniciais. Vanda (Emmanuelle Seigner, esposa do diretor Polanski) chega atrasada para o teste e causa péssima impressão por ser burra, mal-informada, enrolada, grosseira, decadente e usa todo tipo de estratégia para descolar o emprego pelo qual parece desesperada: insinuação, apelação, fazer-se de engraçada, de vítima, todo o repertório feminino...e funciona, o homem cai como patinho.


Há dois jargões surrados aqui: a bronca atriz, assim que começa a interpretar dá um show de interpretação, o diretor se empolga tanto que se transforma no personagem masoquista, confundindo criador e criatura, e mais uma vez diretores de cinema e teatro querem mesmo é usar a arte como artifício para seduzir mulheres que em circunstâncias normais não lhes dariam trela. Algo que poetas e músicos também são expertises.

domingo, 16 de março de 2014

Irmãos Coen sabem transformar um tema aborrecido em grande roteiro (361)


Inside Llewyn Davis
(2013)


Nova York, 1961. Llewyn Davis (Oscar Isaac) é um manezão cantor de (irch!) folk. Com uma eterna expressão de vítima o homem só faz cagadas. Dorme de favor implorado a quem aparece, não tem um tostão e é desatento. Os empresários do ramo e seus conhecidos o consideram um perdedor.

E o Justin Timberlake cantando um folkzinho?! 


Eu comecei a ver este filme com um pé atrás porque detesto folk (britânico, estadunidense, de onde for). E detesto aquela postura do tipo: "Ei, eu sou um artista, não me obriguem a trabalhar, eu sou sensível!". Mas este é um filme dos irmãos Coen que, ao contrário dos cineastas brasileiros, conseguem tirar leite de pedra (os compatriotas não tiram leite nem de vaca do Valhala), os caras sabem contar uma história. Achei demais também a cantorinha toda ternura, ex-namorada de Llewyn, que é uma megera histérica total, bem anti-folk.


E o final tem uma "aparição" de um futuro astro que é chave para entender o toupeira Llewyn Davis.

terça-feira, 11 de março de 2014

Um professor universitário estraga a minha noite de ópera.



Salomé
(2008)


Salomé foi composta por Richard Strauss (1864-1949). Tem por enredo o interesse da adolescente Salomé por João Batista. João Batista criticava publicamente a mãe e o padrasto da moça, Herodes, por sua vida de luxúria. Herodes sente atração por Salomé e esta dança para o tetrarca da Judeia. A sua esposa Herodias pede em troca a cabeça de João Batista. Esta ópera foi fundamentada em uma peça teatral de Oscar Wilde, estreou em 1905 e provocou furor na época. É uma produção que segue o modelo das óperas de Wagner (muito superiores às novelinhas italianas em forma de ópera, imagino eu).




Não sou versado em ópera, e não gosto tanto quanto outros gêneros musicais ou cinema. Mas gostei do que vi de Wagner, Orff e outros compositores e lamento que vivemos muito longe dos teatros europeus. Se eu pudesse assistiria mais óperas. Um teatro da aldeia em que vivo inaugurou uma série de noites de óperas com dvds do Metropolitan. Entrada gratuita, horário ruim (19h), capacidade para quinhentas pessoas e muita gente (uns vinte gatos-pingados, metade amigos do organizador). 

Havia lido no jornal local que o dvd seria exibido e após o término um professor universitário (quem é não vem ao caso) debateria a produção com quem se interessasse. Pensei: beleza, vou lá, assisto, e se for necessário e/ou enriquecedor ficarei para as explicações acadêmicas.

Mas, não. O professor pediu uns minutos para explicar a obra "para quem não é neófito". Os primeiros cinco minutos foram úteis, pois deu um panorama geral da ópera e a revolução wagneriana, nada que eu não soubesse, mas achei muito justo. Nos trinta minutos seguintes o professor explicou toda a Salomé, com uma riqueza de detalhes desnecessária, enfadonha, e que tirou de mim a possibilidade de descobrir elementos à medida em que assistisse o espetáculo.

Finalmente, após quarenta minutos de explanação começou o evento. Fiquei empolgado, cantores impecáveis, telão, som de qualidade, falas ágeis, enredo com matrizes psicológicas e com encadeamento racional, realmente entrei no clima, como se diz. Com quinze minutos, no entanto, o professor interrompeu e disse que eram necessárias novas explicações. Não acho.

Pôs-se a falar por mais trinta minutos, explicando não só o que todo mundo tinha entendido e visto, mas também anunciando o que viria a acontecer nas próximas cenas. A partir daí me aborreci de verdade e quando tomamos antipatia de algo e alguém é inevitável que você se irrite com o responsável. Com uma voz e postura infantilizada, dando saltinhos como o filhinho gordo e fofo da mamãe, passei a ver que chato é o professor, pronunciando mal em alemão nomes e palavras que poderiam ser ditas em português, mas ditas por alguém que se esforça em exibir o conhecimento de uma língua que pelo visto jamais estudou. Achei um tanto jeca ele repetir o adjetivo "magistral" para descrever as cenas. Levantei e fui embora, aquilo duraria até o fim da noite.

Professores de adolescentes de ensino público estão acostumados a serem rejeitados, sabem que os alunos não lhes querem dar atenção, por isto não forçam a barra. Já passei dezenas de filmes, centenas de vezes, explico o mínimo sumário e somente abro a boca quando ninguém entendeu nada. Mas na universidade a coisa é diferente. Estudantes universitários bajulam os professores para conseguirem bolsas de estudo e vagas na pós-graduação. Por isto os professores universitários realmente acreditam que aquilo que falam é brutalmente interessante. Fiquei pensando que alguém devia dar um toque no sujeito e pedir para que continuasse com a ópera, a diva está na tela não fora dela.

Não sei se irei nos próximos e se escrevo para a proprietária do estabelecimento e polidamente fazer algumas sugestões.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Doze anos de escravidão (360)



Doze anos de escravidão
(2013)



Sul dos EUA, 1841-53. Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) é um músico afro-americano talentoso e livre, vivendo em Nova York, com um padrão de vida de classe média, com família e prestigiado pelos brancos que o conhecem. Viajando a trabalho é sequestrado, confundido com um escravo de sobrenome Platt e levado para a Geórgia e outros estados escravocratas para trabalhar para diferentes donos. Durante doze anos é obrigado a esconder a própria identidade e sofre e/ou presencia os horrores da escravidão.


Assisti este filme com os dois pés atrás: um por ser de Steve McQueen, que já havia mitificado o terrorista Bob Sands e o IRA em Hunger e me cansado a feiura com uma atriz cantando New York, New York, de Sinatra, irch!, em tom melancólico; o outro pelo fato deste diretor ser queridinho dos afetados, e realizar um filme do tipo: "veja e ame, senão você é racista". Surpreendi-me positivamente, no entanto.


McQueen manteve a qualidade fotográfica de seus dois filmes anteriores. Northup no início é tratado com dignidade por todos, e tem a altivez e a compostura de um ser humano integrado e aceito na sociedade que o cerca. Não sei se o norte de meados dos século XIX tinha a postura da esquerda "liberal" do mundo contemporâneo, mas o contraste com o modo como é tratado no sul serve como eixo do filme. O sul é claustrofóbico, opressor e doentio. Fiquei o tempo todo comparando o filme com o Django Livre, gostaria de saber se superou, e de que forma, a análise da escravidão. Parece-me que o filme de McQueen é mais profundo. A escravidão no do ótimo Tarantino é enfocada no que ela tem de cerceadora e violenta: o indivíduo não se locomove livremente e ainda por cima apanha. Aqui a escravidão atravessa o indivíduo, consome as suas entranhas, retira-lhe boa parte de sua força.




No entanto, Northrup consegue manter a racionalidade, aceita o que pode e o que não pode suportar para manter de pé o seu objetivo que é o de restabelecer a sua liberdade. Muito importante no filme é a questão da unidade sócio-econômica, a fazenda é um vasto espaço aberto, não há cercas, mas é um mundo isolado e quase infenso ao exterior. Recorre-se constantemente à placidez do cenário, as referências ridículas à tentativa da elite de simular a cultura europeia - tal como filme de Tarantino e nas demais sociedades escravistas da América.

Há uma cena particularmente bonita do filme, o modo como a música é elaborada pelos escravos. O precursor dos blues e gospel já foi tratado no cinema e na produção acadêmica como lúdico e/ou marco do ritmo do trabalho. No filme de McQueen ele é um canto que vem do fundo das almas sofridas, achei que o seu contexto originário ficou bem alinhavado.

O longo relacionamento entre o fazendeiro Edwin Epps (Michael Fassbender, excelente como sempre) com a escrava Patsey (a premiada queniana Lupita Nyong'o), e por tabela, com Northrup/Platt, não é original no cinema, o dominador ama e odeia o dominado, despreza e inveja os seus méritos, a alta produtividade e sensualidade da escrava, o talento musical e a postura educada do protagonista. Epps fundamenta o seu sadismo na religião e no direito civil vigente, é o "educador" dos escravos e seu proprietário.Em suma, o que há de apelativo e marketing para levar o Oscar, com um tema edificante,não chega a comprometer o filme.

Fiquei curioso como o livro de Northup que deu origem ao filme ficou por tanto tempo ignorado da literatura, da historiografia e do próprio cinema, por que Spike Lee não o utilizou duas décadas atrás?

terça-feira, 4 de março de 2014

Por quê o cinema adora idiotas? (359)


Alabama Monroe
(2013)



Bélgica, 2006-2013. Um mané fã de música country se apaixona por uma "romântica" tatuadora. O cara parece que vive no Alabama e ela vive de emoções. Tem uma filha que, com seis anos, é diagnosticada com câncer. Lógico que ninguém vive com uma dessas sem se abalar.

Típico filme irritante. Escolha péssima de gênero musical, puxa-saquismo com público, imprensa e indústria cinematográfica estadunidense, e colocar uma criança com câncer logo de cara para ganhar a simpatia do público para com o casal que "vive a vida".

Vi vinte minutos e desisti.

Clube de compras Dallas (358)




Clube de compras Dallas
(2013)



Dallas, 1985. Ron Woodroof (Mathew McConaughey) é um eletricista bronco, beberrão, jogador, mulherengo e usuário de cocaína. Passa mal, é hospitalizado e lá é notificado de que está com Aids e sua expectativa de vida é de apenas trinta dias. Acreditando se tratar de um erro, o protagonista mantém o mesmo estilo de vida, seu estado piora, aceita o fato de que está com Aids e quer se submeter aos primeiros testes com AZT. Indeferido o seu pedido, passa a adquiri-lo de um auxiliar de serviços que os furta em um hospital.

Descoberto o seu esquema, vai até o México tratar com um médico estadunidense que perdeu a sua licença médica. O profissional critica o emprego de AZT e estabelece uma receita alternativa que surte efeito em Woodroof. Woodroof decide traficar estes remédios para os Estados Unidos e forma um "clube" de aidéticos e outros pacientes terminais que passam a lhe pagar quatrocentos dólares mensais pelas drogas que necessitarem.

O filme estabelece desde o início a desconfiança de que os laboratórios farmacêuticos apenas estão interessados em lucrar com a miséria alheia, com a cumplicidade das agências governamentais e parte da classe médica. A personagem de McConaughey nos ganha aos poucos, pois ele sintetiza quase tudo que rejeitamos nos rednecks: burrice, grosseria, preconceitos, jequice, breguice, etc. Jared Leto está em seu melhor papelde sua carreira, creio eu,  como a travesti sócia de Woodroof. E Mathew McConaughey, vinte anos após as primeiras promessas, finalmente se torna um ator de primeira. Gostei bem do filme, excetuando um clichezinho da médica (Jennifer Garner) que se "importa" com os pacientes, a ponto de se apaixonar por um deles.