Juiz de Fora

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Já o era assim, desde então (16)


Como se a multidão ou os mais sábios em nome da multidão não estivessem prontos a dar passagem muito mais àquilo que é popular e superficial do que ao que é substancial e profundo; pois a verdade é que o tempo parece ter a natureza de um rio ou correnteza, que carrega até nós tudo o que é leve e inflado, mas afunda e afoga tudo aquilo que tem peso e solidez.

Francis Bacon (1605)

New and notable (2)

Interpol



Interpol é uma banda novaiorquina que faz um som nitidamente britânico. O primeiro álbum, Turn on the bright lights, de 2002, é fortemente influenciado por Joy Division e outras bandas inglesas dos oitenta. Comprei o cd pela capa, tão logo foi lançado no Brasil, convicto que estou, há muito tempo, de que as gravadoras brasileiras conhecem bem o seu gado, e as gravadoras internacionais investem mais no produto quando veem que a banda fará $uce$$o.

Este é o quarto álbum original da banda e só não me parece superior ao primeiro. A segunda faixa, Memory Serves é a primeira que me vem à mente quando lembro do cd, e cai como uma luva para o que espero de bandas pop. As faixas de trabalho são Lights e Barricades, mais ao gosto do público e já com clips em andamento. Não procurei ler as letras e não consigo pegá-las completas de ouvido, mas não é difícil deduzir sobre o que elas tratam. O sentimento predominante é o do romantismo que na classificação literária convencional, é o da segunda fase. Aqui não há a baboseira I love you/you love me que irrita os corações roqueiros testosterônicos. O romantismo mais legal tem a ver com angústia, tristeza, dispersão, a convicção de que o mundo não colabora mas você segue em frente, ainda assim: ouça Always Malaise (The man I am) e Safe without.

Fico me perguntando porque há tão poucas bandas, comparativamente ao que predomina na música, como esta. Mesmo sabendo que ela copia e sintetiza outras anteriores fico feliz por ela manter, de alguma forma, um som de pé que não tem a ver com bizarrices, violência extrema, individualismo autossuficiente, chavões pueris, celebração da ignorância e da vagabundagem, ídolos tão feios por dentro que precisam hipertrofiar as aparências.

Mas ainda bem que eu posso sentir letras como esta: Tonight a special memory serves me...





quarta-feira, 29 de setembro de 2010

New and notable (1)

Senior
Röyksopp



Este mês de setembro veio com dois ótimos lançamentos (o outro é o novo Interpol), o que é raro para pessoas que gostam muito de música mas são difíceis de agradar, como é o meu caso.

Mas chega de lamúrias. Senior é d.b.e. na certa. É o quarto álbum do duo norueguês de Tromso, Noruega. Formado por Svein Berge e Torbjorn Brundtland, há uns doze anos, a dupla faz música eletrônica. Os álbuns anteriores Melody A.M. (2001), The Understanding (2005) e Junior (2009), pelo que ouvi, superficialmente, não haviam ainda atingido a qualidade de Senior. No entanto, a banda alcançou o reconhecimento muito cedo na Noruega, e desde 2005, o mercado inglês. Ouvi-os pela primeira vez na trilha de Fifa 2006, mas não dei pela coisa.

Senior é totalmente instrumental. Inicia-se com um som característico de vinil, aquele chiado saudoso, e a partir daí vem uma sucessão de faixas envolventes. As influências diluídas são, claramente, Brian Eno, Pink Floyd, alguma coisa de música alemã e trilhas de filmes dos setenta. Quem tem ouvido para detectar paisagens sonoras vai se deliciar. Dá para sacar que a banda utiliza sintetizadores de trinta anos atrás, ou talvez até mais. Há momentos que me lembra o Air, sem vozes. Tricky Two é semelhante ao technopop de outrora, mas a referência direta tem mais a ver com que é feito em eletrônica em tempos mais recentes. The Alcohol lembra-me alguma coisa do Vangelis. A faixa The Fear tem um refrão clássico de cinema, mas não me recordo qual. Senior Living é como Pink Floyd em Zabriskie Point. Independentemente desta arqueologia sonora, tudo é muito bom de se ouvir, e pode ser curtido por quem está chegando agora. Forsaken Cowboy parece ter a ver com certas sonoridades ligadas ao trip-hop, ou até mesmo drum and bass, mas parece mesmo é música de filme ou algo tipo Burt Bacharach.

Não tenho maiores informações sobre a banda e seus propósitos, mesmo porque prefiro tirar conclusões a partir do que ouço. Os vídeos são, a meu ver, bem irregulares, com exceção de Remind me, que realmente é um caso à parte. Dos grupos escandinavos recentes é o primeiro que ouvi que ultrapassou o nível da mera curiosidade. Berge e Brundtland mal chegaram aos trinta. Têm muito tempo ainda e já são seniores.

Já o era assim, desde então (15)



Não é tão fácil como se pensa transmitir o conceito da mente de um homem para a de outro sem perda ou erro, especialmente em se tratando de noções novas e diferentes daquelas que estão estabelecidas.

Francis Bacon (1626)

Já o era assim, desde então (14)



As palavras pertencem metade a quem fala, metade a quem ouve.

(Montaigne, 1592)



Já o era assim, desde então (13)



Nada é agora dito que não tenha sido dito antes.

(Terêncio, séc. II a.C.)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Já o era assim, desde então (XII)





Rei Cronus: Mas, de um modo geral, vocês precisam se dar conta de que vocês, homens pobres, foram enganados e têm uma noção falsa dos ricos. Vocês pensam que eles são completamente felizes, e que só eles levam uma vida prazeirosa porque podem dar jantares dispendiosos, embriagar-se de vinhos suaves, misturar-se a belas moças e rapazes, e vestir roupas elegantes. Vocês não têm a menor ideia da verdade. Em primeiro lugar, a preocupação que essas coisas trazem não é pouca. (...) Se vocês soubessem o medo e preocupações que eles têm, considerariam a riqueza algo a ser de todo evitado. (...) Há muito que vocês desconhecem. Vocês veem apenas o ouro e a púrpura, e, toda vez que miram suas carruagens prateadas, ficam boquiabertos e obsequiosos. Porém, se vocês os ignorassem e desprezassem, se não se volvessem para olhar suas majestosas liteiras ou admirar seus anéis de esmeralda e tocar suas vestes sedosas mas os deixassem ser ricos somente para eles mesmos, podem estar seguros de que eles viriam até vocês de vontade própria  e implorariam que fossem jantar com eles para que pudessem exibir seus divãs e mesas e cálices, coisas que não teriam utilidade alguma se as pessoas não vissem que eram deles. De fato, vocês descobririam que a maior parte do que os ricos possuem eles adquirem não para uso próprio, mas por conta de vocês, homens pobres, visando impressioná-los. Eis aí, portanto,o conselho que ofereço, tendo conhecido ambos os tipos de vida.


Luciano (século II d.C.)

Já o era assim, desde então (XI)



Só me interessam os bens que despertam no populacho a inveja de mim por possui-los.

(Petrônio, século I d.C.)

Já o era assim, desde então (X)





O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.

(Paulo de Tarso, século I d.C.)


Já o era assim, desde então (9)



Quanto à riqueza, não há limite claramente definido. Pois aqueles que hoje dispõem das maiores fortunas entre nós possuem também o dobro da voracidade dos demais, e quem poderá satisfazer a todos?
(Sólon, século VI a.C.)

Já o era assim, desde então (8)






Alguém que se dedique por três anos ao estudo sem pensar em recompensa (obtenção de um cargo remunerado) seria realmente difícil de encontrar.

Confúcio (século V a.C.)


Já o era assim, desde então (7)




A felicidade entre os homens jamais permanece por longo tempo no mesmo sítio.

Heródoto (século V a.C.)



Já o era assim, desde então (6)



Não são as coisas em si mesmas que pertubam os homens, mas os juízos que eles fazem sobre as coisas.

Epíteto (século I d.C.)


Já o era assim, desde então (5)


 


Suporá alguém que os analfabetos tenham mais dificuldade em ter ereções?

Horácio (século I a.C.)


Já o era assim, desde então (4)



Nem a um deus é facultado amar e manter-se sábio.

(Publilius Syrus -século I a.C.)


Já o era assim, desde então (3)



A maioria dos homens são maus juízes quando os seus próprios interesses estão envolvidos.

(Aristóteles, século IV a.C.)


domingo, 26 de setembro de 2010

O Panótico ouve aqui e agora (66)


Filmes (31)

Houve uma vez um verão
(Summer of '42, 1971)



Assisti a este filme sem ter nenhuma referência dele, na Globo, no início da década de oitenta, na sessão após o Fantástico, acho que se chamava Domingo Maior, ou algo assim. Três adolescentes vivem em uma pequena localidade litorânea, durante a II guerra mundial, passam por situações típicas da idade, e o protagonista vai desenvolvendo uma paixão platônica por uma vizinha cujo marido foi lutar no Pacífico. É um filme que vai te ganhando aos poucos. 







Já o era assim, desde então (2)


Com toda a probalidade, cada habilidade e cada filosofia já foi descoberta muitas e muitas vezes e novamente sucumbiu.

(Aristóteles, século IV a.C.)

sábado, 25 de setembro de 2010

Já o era assim, desde então (1)*


Foi pela obscuridade de sua linguagem que Heráclito conquistou a veneração dos ignorantes. Os tolos, com efeito, só estimam e admiram o que se lhes apresenta em termos enigmáticos.

(Lucrécio, século I a.C.)




Citações extraídas de: GIANETTI, Eduardo. 2.ª ed. O livro das citações. São Paulo: Brasiliense, 2008.

O Panótico ouve aqui e agora (65)



Nome aos bois (XI)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Livros (I)*


O pacto autobiográfico
(Philippe Lejeune, 2008)




A obra O pacto autobiográfico. De Rousseau à Internet é uma coletânea de textos organizada e traduzida pela professora juizforana Jovita M. G. Noronha e publicada pela editora da UFMG, há dois anos atrás. Reúne textos de Philippe Lejeune, publicados nas últimas quatro décadas, tendo por tema a autobiografia, mas na acepção criada pelo autor, o pacto autobiográfico.

O interesse de Leujeune pelo tema iniciou-se em 1971, quando publicou L'autobiographie en France. O pacto autobiográfico inicia-se com texto homônimo, escrito em 1996, no qual o autor buscou, e confessa-o desde já, estabelecer definições e conceitos com excessivo rigor acadêmico, o que torna a leitura das primeiras páginas árdua, enfadonha, e, saltando aos olhos, um tanto inconvicente. Lutando contra a desconfiança acadêmica da época, que considerava a autobiografia criação literária menor, Lejeune reúne todas as forças para apresentar o tema sobre uma perspectiva séria.



Define autobiografia, econômica e satisfatoriamente,  pouco modificando o que constava do dicionário Larousse (segundo afirmou mais tarde, cf.p.78), como:

narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade. (p.14).

A partir daí, no entanto, disseca a definição, não satisfeito com o átomo que encontrou e preferindo manusear as suas partículas integrantes, para concluir que a autobiografia, enquanto tal, exige uma relação de identidade entre o autor, o narrador e o personagem (p.15). Explorando esta relação, Lejeune coloca um problema pertinente:

Uma autor não é uma pessoa. É uma pessoa que escreve e publica. Inscrito, a um só tempo, no texto e no extratexto, ele é a linha de contato entre eles. O autor se define como sendo simultaneamente uma pessoa real socialmente responsável e o produtor de um discurso. Para o leitor, que não conhece a pessoa real, embora creia em sua existência, o autor se define como a pessoa capaz de produzir aquele discurso e vai imaginá-lo, então, a partir do que ele produz.

Isto posto, o pacto autobiográfico, ao contrário do que uma primeira impressão faz sugerir, não diz respeito a um acordo, contrato, avença, compromisso, ou o que seja, entre quem escreve e quem lê. O pacto autobiográfico limita-se à autenticidade da assinatura, e nâo à semelhança entre o que é narrado e o que é vivido:

O primeiro ensaio prossegue, no entanto, sem ter oferecido maiores conclusões a partir do seu melhor ponto: o que há de verídico em uma autobiografia, e qual é a sua credibilidade, seja como literatura, seja como fonte histórica. Lejeune parece ter percebido que mais colocou questões do que se propôs resolvê-las. O que por si só não chega a ser de se lamentar, todavia:

No final das contas, esse estudo me parece ser antes um documento a ser estudado (tentativa de um leitor do século 20 para racionalizar e explicitar seus critérios de leitura) do que um texto 'científico': documento a ser adicionado ao arquivo de uma ciência histórica dos modos de comunicação literária. (p.46)

O terceiro ensaio, O pacto autobiográfico, 25 anos depois, escrito em 2001, já nos permite compreender como a eleboração de um blog pode ser interpretado sob uma perspectiva de pacto autobiográfico:

1) Ora, no pacto autobiográfico, como, aliás, em qualquer contrato de leitura, há uma simples proposta que só envolve o autor: o leitor fica livre para ler ou não e, sobretudo, para ler como quiser. (...) [Mas] você se envolve no processo; alguém pede para ser amado, para ser julgado, e é você quem deverá fazê-lo. (p.73)

Por que escrever um blog? A quem pedimos a aprovação? O principal leitor de um blog é como o principal ouvinte de um professor: ele próprio. Livros precisam vender. Livros precisam de aprovação. A aprovação de uma obra impressa tem a ver com o número de obras editadas. O mercado pode ser um juiz insensível à uma obra literária. O pacto autobiográfico de um blogueiro mantém-se com a sua regularidade.

2) À diferença de outros contratos de leitura, o pacto autobiográfico é contagioso. (p.74)

O blog criou seis bilhões de escritores em potencial.

3) Hoje, sei que transformar sua vida em narrativa é simplesmente viver. Somos homens-narrativas.(idem).

Não sei se foi dado o devido impacto à esta afirmação. Há décadas que os professores de história ensinam aos seus alunos: todo mundo possui uma história. Coisa muito diferente é dizer que todos somos narrativas. A vida do outro percebida como descrição e síntese.

Mais sobre esta obra em outros posts, fico por aqui, por enquanto.





*conforme explicado em Livros (II) http://panoticum.blogspot.com/2010/08/livros-ii.html

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

T.V.Glotzer (22)

Shin Chan
(1990-?)




Shin Chan é um moleque japonês de cinco anos muito levado, com tiradas ótimas. Foi exibido no Discovery Kids, acho, ou na Fox, no início desta década, mas eu me recordo melhor dos anos remotos do que do passado recente, rs... Os pais dele são muito parecidos com os atuais, não estão nem um pouco preparados para criar uma criança. Há um episódio em que ele diz para a mãe: a cabeça do meu pai é mais quadrada que o seu popozão.






O Panótico ouve aqui e agora (61)



T.V.Glotzer (21)

Three little bops
(1956)

Enquanto ouço Art Blakey e Jazz Messengers, a melhor parte de uma noite de um dia difícil, recordei-me deste desenho a que assisti em meados da década de setenta, em BH, a primeira imagem que eu tive de jazz.


Os três porquinhos formam um trio de bebop (baixo, piano e bateria) e tocam em um clube com grande adesão da plateia. O trompetista Lobo Mau resolve participar como penetra...



O Lobo Mau é desafinado e assim que começa a tocar o público cessa a dança e retorna às mesas.



O trio não aceita o canino.



Mas, após descer ao inferno, ele passa a fazer um baita som. Descer ao inferno, para os jazzistas da época, era um senso comum de que certas experiências, se é que você me entende, eram essenciais para o amadurecimento do instrumentista. Criança não entende por aí. A censura macartista também não. Censura é burra.

O Panótico ouve aqui e agora (60)

Pesando na balança


Há dias que o melhor a ser feito é comer uma barrinha de chocolate...

Nome aos bois (X)



Panoticum hic et nunc videt (XI)



terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sexy Girl (XVI)


Rachel Welch




Em meados da década de setenta eu não tinha nenhuma dúvida de que as norteamericanas eram as mulheres mais bonitas do mundo, graças, em parte, a Rachel Welch que empolgou bastante a galera durante alguns anos, mesmo já balzaquiana. Na década seguinte eu já estava a par de que eles vendiam um peixe que não era muito encontrado em casa.





Know your rights (II)


Pisaram na bola contigo. Alguém ou alguma empresa violou um direito seu. O que fazer? Chamar a polícia? Ir ao Procon? Tomar satisfações da pessoa? Resolver a seu modo, por conta própria?

A primeira coisa a fazer é ser sincero contigo mesmo: qual é a real disposição que você tem para enfrentar o problema? quanto tempo está disposto a esperar por uma solução judicial? quanto está disposto a gastar?

Se o seu prejuízo for pequeno, digamos, por exemplo, uns dez reais, se você não obtém sucesso em cobrar este valor diretamente de quem lhe causou o dano é melhor esquecer. Você não vai ter tempo e paciência para ficar semanas correndo atrás desta ínfima recomposição patrimonial.

Se o prejuízo for maior, a pergunta é ainda mais relevante. Por incrível que pareça, ou talvez nem tão incrível assim, é usual o ser humano abrir mão de milhares de reais, mesmo quando não se é rico, que é o caso de noventa e nove por cento da humanidade, para não ter aborrecimentos no trato com o Poder Judiciário. Por outro lado, às vezes as pessoas brigam por valores modestos quando se trata de espezinhar, justa ou injustamente, um ex-marido, um vizinho, um parente, ou um colega de trabalho.

Então a primeira coisa a fazer é ser honesto com você mesmo. Para isto o advogado não será decisivo, pois o interesse - ético e lícito - de qualquer profissional é trabalhar para o seu cliente. Algum médico ou dentista diz para você que não é necessário ir a médicos ou dentistas? Com o advogado não é diferente, chega de implicância conosco, rs...

Se você está razoavelmente convencido de que não conseguirá resolver o seu problema pela via extrajudicial então procure seguir estes passos:

1) É obrigatório ir a juízo assistido por um advogado ou defensor público?

Sim: nas ações da justiça comum estadual e justiça comum federal. Ex.: causas criminais, família, inventários, empresariais; e nos juizados especiais cíveis e federais (erroneamente chamados de pequenas causas), nas causas de valor superior a vinte salários mínimos, em primeira instância; e sempre na fase recursal, para qualquer valor.

Não: na justiça do trabalho, na primeira instância, e nos juizados especiais, em primeira instância, nas causas de valor igual ou inferior a vinte salários mínimos. Em qualquer fase recursal, após a sentença do juiz singular, é necessária a defesa técnica, você não vai saber fazer apelações, agravos, recursos especiais, etc...

2) É aconselhável ir a juízo desassistido por advogado ou defensor público?

Não. Há unanimidade entre os operadores de direito que ir a juízo sem advogado é bastante temerário, principalmente se a parte contrária forem empresas, bancos, lojas, ou mesmo pessoa natural que contratou um profissional para defendê-lo. Lembre-se: o juiz não pode orientá-lo a tomar decisões específicas, ele tem que garantir a imparcialidade da atuação do Estado. O magistrado não vai lhe dizer o que falar e como agir diante de uma proposta de acordo. Além do que, você não entende de direito processual, e as normas procedimentais são peças-chave para vencer uma demanda. Litigar sem amparo técnico é ir para um massacre. A parte contrária tem mais chances de sair vitoriosa por estar acompanhada de um profissional que conhece a norma e sua aplicação material e processual.

3) Eu posso ir ao Procon?

Os procons são órgãos do Poder Executivo, vinculados à administração direta, às secretarias estaduais e municipais de justiça ou de defesa dos direitos do consumidor. Procon não é órgão do Poder Judiciário. Procon não julga, não condena, não prolata sentenças judiciais. Os profissionais do Procon possuem formação jurídica e têm todo o meu respeito. Não se trata de ver quem é mais dedicado ou competente. Regularmente aconselho a que a pessoa vá logo ao Poder Judiciário, é economia de tempo e sentimentos. Isto não quer dizer que o Procon não resolva as questões, mas a parte contrária não é obrigada a acatar as suas decisões administrativas, ao contrário do que ocorre com uma decisão judicial. Se você se recorda do sistema de três poderes de Montesquieu (Legislativo, Executivo e Judiciário) já compreendeu a deficiência sistêmica dos procons.

4) Contratar advogado é caro?

A remuneração que os seres humanos recebem por seu trabalho depende de um ser surdo e aético chamado mercado. Jogadores de futebol que ganham milhões não prestam um serviço mais útil do que um gari que ganha pouco mais de um salário mínimo. Você pode ficar um semana sem futebol mas que tal uma semana sem coleta de lixo? O valor a se despender com o profissional do direito dependerá de muitas coisas: valor da causa, tempo e esforço do profissional, tempo da demanda, possibilidades maiores ou menores de sucesso, etc. Tudo depende de negociação. Converse com alguns profissionais antes de assinar um contrato.

Bom, mais pelo caminho que o andar é vagaroso.

O Panótico ouve aqui e agora (59)

Know your rights (I)



Eu  adoro quando ouço, pelos meios de comunicação, notícias como esta:  agora a sua aposentadoria vai sair em menos de trinta minutos; agora as empresas fornecedoras de produtos e serviços são obrigadas a disponibilizar a gravação da reclamação por telefone aos seus consumidores; agora os crimes serão julgados em vinte e um dias; agora é possível separar e fazer o divórcio no mesmo dia; agora fumar maconha não é mais crime, e por aí vai.




Eu sou um grande fã da imprensa. Muitas das vezes ela é capaz de informar os cidadãos levando até eles o que por conta própria dificilmente eles poderiam acessar. A imprensa já colaborou, inclusive, aqui e no mundo, para retirar mandatários corruptos do poder. Mas, infelizmente, os serviços que ela presta na área jurídica carecem de maior precisão. Ao contrário do que a maioria das pessoas, cultas, principalmente, acreditam, o direito é extremamente complexo. A leitura pura e simples de leis e seus artigos não leva a compreensão automática do alcance e significado da norma. Mesmo juízes, promotores e advogados experientes e estudiosos podem se debruçar com questões de alta indagação que exigem dezenas de páginas de elaboração técnica. 



Por isto mesmo, penso que os meios de comunicação deveriam possuir algum tipo de assessoria jurídica para quando divulgam qualquer tipo de informação no tocante aos direitos fundamentais das pessoas naturais. Se já as têm, o que não tenho como saber, estão sendo mal aproveitados.


Nestes anos como estudante e aplicador do Direito já me deparei, por diversas vezes, com pessoas perdendo a oportunidade de fazer valer o seu direito por informações, de muita boa fé inclusive, recebidas de outras pessoas que também não possuíam a compreensão exata da questão controvertida. Ou, no extremo oposto, vi pessoas agirem com a certeza de que possuem um direito líquido e certo, quando, na verdade, a situação fática não se amoldava ao direito postulado.




Utilizarei esta série para tentar dar alguns esclarecimentos básicos, mas indispensáveis, ao leitor deste blog, que, por mais inteligente, bem-informado e esclarecido que seja, em não sendo operador do Direito, não tem como chegar por vias próprias à conclusões seguras sobre o que é, ou não é, e em que proporção, o seu direito. Não pretendo aqui fazer alentadas discussões acadêmicas e jurisprudenciais. Para isto o leitor encontrará na web centenas de excelentes sites jurídicos.




Concordo plenamente que o direito deveria ser mais simples, ao alcance do cidadão que possui somente um nível básico de escolaridade. Mas isto é utópico. Sociedades cada vez mais complexas não permitem soluções preto no branco, mas uma proliferação de tonalidades de cinza. Dito isto, a coisa vai ficar cada vez pior.



Evitarei o juridiquês sempre que possível. Esclareço, desde já, que o que for lido aqui não substitui, em qualquer hipótese, a necessária consulta a um advogado. Por advogado não vale: o policial, o técnico ou auxiliar administrativo do poder judiciário, o seu vizinho leigo, o seu parente leigo, o seu amigo leigo, o estagiário, etc. Todos eles têm todo o meu respeito e, eventualmente, podem estar cobertos de razão.




Mas assim como quando você sente alguma dor no corpo, não vai ao dentista ou ao engenheiro, se você possui ou acreditar possuir um direito resistido por outrem, o seu profissional adequado é aquele que exerce regularmente a postulação em juízo.

Comentários, críticas, dúvidas e sugestões serão sempre muito bem-vindos.