Juiz de Fora

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Livros (35)


Mauá, empresário do império
(Jorge Caldeira, 1995)





O professor e historiador Ciro Flamarion Cardoso comentou em sala de aula, no longínquo ano de 1988, quando eu cursava o mestrado em história social antiga e medieval na UFF, que o grande historiador Fernand Braudel dizia, no final da década de sessenta, que, se ele assim o preferisse, poderia publicar uma biografia a cada seis meses. A França, àquela época, possuía um interesse maior pelo trabalho dos historiadores, por razões evidentes, mas havia segmentos bem delimitados: uma obra marxista sobre modos de produção vendia algo em torno de três mil exemplares (o que seria equivalente a uma edição brasileira), as obras do grupo dos Annales e agregados, mais interessados  por temas relacionados às culturas e mentalidades (grupo a que predominava o poder e influência de Braudel), tiragens em torno de vinte a trinta mil exemplares. Já as biografias, muitas das vezes escritas por leigos, chegavam tranquilamente a  meio milhão de exemplares. Era uma forma subliminar, embora bastante visível, de grandes historiadores repelirem, - para a plateia de seus alunos, futuros pesquisadores em História -, o gênero biografia, tido como produção acientífica voltada para leitores incipientes à procura de novelas com um certo conteúdo.



Repudiar gêneros inteiros, de per si, não se me afigura uma atitude prudente, em qualquer área do conhecimento ou da experiência estética, ainda que poupe tempo e dinheiro saber identificar as próprias afinidades. Assim, exemplificando, posso não gostar de música romântica convencional, mas simultaneamente reconhecer que ouvir Scott Walker foi a novidade de 2010, para mim.



Desde Mauá, do sociólogo Jorge Caldeira (também autor de uma biografia sobre o regente Padre Feijó), que eu tenho um enorme prazer em ler biografias. Do que me recordo, são mais de duas dúzias, e destaco as de Stálin, jovem e adulto, Mao, as cisnes selvagens, Eric Clapton, Chatô, Chet Baker, Padre Cícero, Bobbio, e outras que certamente ganharão um post. A maioria delas não foi escrita por historiadores, ponto negativo para mim e meus colegas. Maurice Druon, que além do best seller O menino do dedo verde,  foi autor de ótimo trabalho em história medieval (Os reis malditos), já alertava, ao final dos sessenta, que os temas áridos de economia política,  os quais prevaleceriam na historiografia  por década e meia, fariam diminuir o interesse do público pela história. Foi uma previsão quase na mosca, O leitor médio não perdeu o interesse pela história, apenas passou a preferir obras que por sua vez não foram escritas por historiadores, mas por jornalistas e escritores.



Mauá tem notas suficientes para ser aprovado no terceiro bimestre, mesmo diante de quaisquer restrições imposta ao gênero biografia: perda ou desleixo para com o contexto histórico? Bobagem. A obra constantemente analisa as dificuldades e oportunidades a que Irineu Evangelista de Souza se deparou no ramo pioneiro da industrialização. Hipervalorização da microhistória e menosprezo pelas hipóteses explicativas globais? Que nada. Lá estão as questões pole position da historiografia do período em que Mauá viveu: cafeicultura, escravidão, dependência, política cambial, imigração, o Estado e suas relações, domínio social, etc.

Mauá combina a seriedade do pesquisador com o prazer da leitura. Melhor porta de entrada para as biografias só mesmo Chatô, de Fernando Morais.




Já foi para as telas, fiel ao texto, com as restrições de sempre.

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