Juiz de Fora

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O Panótico vê aqui e agora (53)





Ip Man e Bruce Lee






Ip Man (1893-1972)




Ip Man



Ip Man - Nasce a lenda (Ip Man 3)
(2010)






Ip Man
(2008)
















Ip Man 2
(2010)







Na minha cidade natal e de adolescência (Santos Dumont) havia dois cinemas: o Vitória e o Brasil. O primeiro era mais tradicional, mais limpinho e organizado, passava as produções de Hollywood, e o segundo, os filmes b e as chanchadas brasileiras. E vale lembrar um episódio sobre cada um deles: em 1982 o cine Brasil exibiu o clássico Zabriskie Point, em uma fria segunda-feira de julho. Fomos eu e mais dois amigos - que há muito não os vejo - assisti-lo na última sessão, às vinte horas. O bilheteiro nos alertou: apenas três ingressos vendidos não pagam a eletricidade da exibição, não vai rolar. Perguntamos: quantos ingressos são necessários para compensar? - Dez. Nós decidimos ligar para mais dois amigos, e os cinco restantes nós obtivemos sucesso ao convidarmos os jovens conhecidos que passavam pela rua, com um papo tipo: - ei, este filme tem música do Pink Floyd, não quer ver não?! a gente paga!. Funcionou (a meia entrada custava algo como cinquenta centavos em valores atuais). Senti-me um baita mecenas de dezessete anos.

A do cine Vitória tem a ver com esta sinopse: volta e meia lá eram exibidos filmes de artes marciais. Eu queria vê-los mas havia um probleminha: os valentões todos também o queriam, e eles tinham o hábito de aplicar os conhecimentos adquiridos nos filmes para cima dos magricelas, como eu. Certa vez fiquei olhando o cartaz de um filme de kung-fu, bem chulezinho, e um encrenqueiro conhecido e seus comparsas me cercaram: "Enaldo, você é o c.d.f. da escola. Me responde: este filme é chinês ou japonês?" Sem ter certeza de qual seria a resposta certa observei os nomes monossilábicos no cartaz e respondi que era chinês. O aprendiz de bad boy abriu um sorriso e disse: - que bom, porque os filmes japoneses são muito ruins. Vamos ver? Ganhei então um dublê de cinéfilo e guarda-costas e fui ver o filme acompanhado dos moleques mais cabeças-de-bagre que conhecia.

Com exceção de um ou outro filme de Bruce Lee, este gênero apenas me ganhou com O Tigre e o Dragão, e já disse aqui que Herói  é o meu vice-campeão, após Blade Runner. Desde então tenho assistido a todos os filmes do gênero. É curioso como a dança, de modo geral, não me sensibiliza. Mas as sequências de lutas dos filmes de kung fu são maravilhosas. Vamos dizer que é um balé para alpha e beta males.

Ip Man foi o professor de Bruce Lee. Nascido em 1893, de família rica burguesa, Ip Man foi estudar kung fu, na variante wing chun, na cidade de Foshan, uns duzentos quilômetros ao norte de Hong-Kong (então dependência britânica). Retornou a Hong-Kong, estudou com outro mestre mais inovador, e ganhou enorme respeitabilidade ao novamente residir em Foshan, durante a república chinesa (1911-37). Perdeu tudo durante a ocupação japonesa (1937-45), e retornou muito pobre à Hong-Kong, como professor de wing chun, de 1950 em diante. Bruce Lee foi seu aluno mais famoso. Ip Man faleceu em 1972 de câncer.

Os três filmes baseados levemente na vida do mestre do wing chun podem ser vistos separadamente, mas eu indicaria começar pelo terceiro (Nasce uma lenda)  e depois o primeiro e o segundo. Assim acompanhamos linearmente a adolescência e juventude em Foshan, a vida adulta durante a ocupação japonesa, e a reconstrução na Hong-Kong corrupta dos anos cinquenta. Esta série se distingue das demais produções porque Ip Man é um personagem de princípios e grande caráter, mas é humano, não um sábio platônico, e não dá a outra face quando lhe batem. Uma das melhores sequências de Ip Man 1 é a de quando ele dá uma surra federal em dez oficiais japoneses, motivado por vingança e ódio. Ip Man (interpretado por Donnie Yen) é de carne e osso. Outro aspecto muito interessante, mesmo, é a valorização da China pré-comunista. O tradicional não é exacerbado, e as atitudes das pessoas são bem universais, quase ocidentais. Há inúmeras situações corriqueiras do cotidiano. Gostei demais do tratamento ponderado a que é dado aos chineses que conviveram com japoneses e britânicos, eles não são estereotipados como traidores, mas como pessoas que sobreviveram conforme as desfavoráveis circunstâncias. Cinema de primeira, vou ver tudo de novo.








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