Juiz de Fora

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O Panótico vê aqui e agora (275)

 
Troque a faca pelo garfo
(2011)
 
 
 
Um jornalista e narrador deste filme vai a um médico pela manhã. Ele já tomou energéticos e refrigerantes logo após o amanhecer. Meia-idade e se considerando um cara saudável ele se submete a uma bateria de exames na residência do doutor e fica sabendo que está à beira de um enfarte ou avc. A partir daí, o narrador aceita se submeter a uma dieta vegetariana integral, sem medicações suplementares.
 
 
Baseado em décadas de pesquisas de dois médicos estadunidenses, Caldwell Esselstyn e Colin Campbell, esta é a mais séria, científica, fundamentada e bem explicada defesa do vegetarianismo que eu tenha visto ou lido em mais de quarenta anos sem comer bichos.
 
O meu vegetarianismo tem origens no paladar (nunca gostei do sabor ou do cheiro de carne), em razões éticas fundamentais (não acho correto tirar a vida de milhares de animais para satisfazer o prazer gastronômico) que com o passar dos anos acrescentei outras ecológicas (a pecuária consome de oito a dez vezes mais água e grãos do que a lavoura, fora efeito estufa), previdenciárias (gastos exorbitantes com doenças coronarianas) e de saúde pessoal. Mas por não acreditar na mais remota possibilidade de uma humanidade vegetariana nunca me preocupei em aprofundar os meus argumentos pois não gosto de pregar apenas no deserto.
 
Mas eu não tinha uma ideia tão precisa de como a elevação dos níveis cancerígenos mundiais nas últimas décadas tivesse relação com alimentação. E eu não sabia que a minha pressão alta poderia ter relação com o meu largo consumo de laticínios, muito em função de pressões familiares, inclusive de parentes da área de saúde, preocupados com o fato de que recuso todo e qualquer tipo de carne, inclusive frango e peixes. Para quem está acostumado a pensar que vegetariano come estes últimos, já viu atum dar em árvores? ou plantação de galinhas?
 
 
 
Por não comer carne desde criança, médicos e pessoas sérias me perguntavam: mas como você faz para viver sem proteína? Nunca soube responder, mas segundo os médicos protagonistas do filme, os vegetais possuem pelo menos oito ou nove por cento de proteínas, o que já seriam suficientes para todos nós. De qualquer modo, nunca fiquei doente por falta delas.
 
É impossível assistir este documentário e sair ileso. Quem não se recorda de dietas recomendadas à base de proteína animal? E você ficar sabendo que os povos que ingerem mais leite têm maior incidência de osteoporose, devido ao excesso de cálcio, exatamente o oposto do que se acredita de forma quase unânime?
 
 
 
 
 
É mole ou quer mais? Você quer mais, e aí eu deixo algumas perguntinhas:
 
1) Por que os pobres são mais obesos do que os ricos?
2) Por que as crianças ricas das Filipinas tiveram mais câncer de fígado do que as miseráveis?
3) Esta é difícil: porque na Noruega, entre os anos de 1940-45, houve uma brutal redução de infartes, avc's e casos de câncer?
4) Esta é de graça: se laticínios são prejudiciais à saúde, assim como proteína animal, sal, açúcar refinado e gordura por que estes ingredientes fazem parte do cardápio das escolas públicas estadunidenses?
 
"Este filme pode salvar a sua vida". Assista-o e surpreenda-se ainda mais.
 
A partir de amanhã, eu começo a minha nova dieta vegetariana, versão 2.0, integral.
 
 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Panótico vê aqui e agora (274)




Aladeen (Sacha Cohen) é o Líder Supremo da Wadyia, um país que se localiza entre o Egito e o Sudão. Aladeen segue a linha básica de qualquer ditador e pretende construir armas nuclares. O seu tio Tamir (Ben Kingsley), uma óbvia referência ao presidente do Afeganistão Hamid Karzai, quer se desfazer do sobrinho e democratizar o país com ajuda das corporações de petróleo estadunidenses, britânicas e do governo chinês, que beleza. Aladeen é uma toupeira e vai discursar na ONU, tentando provar que lida com energia nuclear para fins pacíficos. É substituído por um sósia e vai ter sobreviver como empregado de uma militante ecológica e esquerdista até recuperar o poder.
 
O que esperar de um filme destes? o que eu encontrei em quantidade: piadas totalmente incorretas, O comediante Sacha Cohen explora toda e qualquer possibilidade de fazer piadas racistas, sexistas, etc e tal, e você ri, ri muito, eu teria que ser mais rabugento e azedo para não ver graça naquilo que temos que reprimir, é tudo muito descarado. Não achei tão engraçado como Borat, provavelmente ninguém vai achar, e o comediante inglês vai ter que rebolar para que seus filmes não virem fórmulas que vão se desgastando.
 
Para entrar no clima da obra: tinha que ser um filme de apenas oitenta minutos? Precisava ser tão... daquele povo que tem o bilau circuncidado? (No offense)

O Panótico vê aqui e agora (273)


Jean Charles
(2009)
 
 
Este filme não demandaria longa sinopse. Jean Charles foi um dos cerca de oitenta mil brasileiros que tentaram e tentam uma vida nova e decente em uma cidade que valha a pena viver, como Londres. Confundido com um suposto terrorista, Jean Charles de Menezes (1978-2005) foi sumariamente executado por policiais londrinos, num erro profissional e numa tragédia humana que fica para a história, duas semanas (22 de julho) após os atentados suicidas de 7 de julho, tema de outro filme recentemente revisto por mim, London River.



Há três motivos para eu ter assistido este filme agora. Primeiro, que toda vez que ele passa na tv paga eu somente vejo pedaços. Segundo, porque eu gosto muito do Selton Mello, o cara é muito talentoso e carismático. Terceiro, porque todo e qualquer filme londrino agora me interessa muitíssimo mais, porque eu mato saudades e reconheço alguns lugares que estive nas férias passadas.
 
Ah, o  leitor não sabe disso? Dê um pulinho no meu outro blog, tem mais de mil fotos e quarenta vídeos (por enquanto) por lá, eu duvido que qualquer blog sobre a capital inglesa tenha mais fotos que o meu, rs...
 
Voltando ao assunto: Não sei o grau de fidelidade da estória com a vida de Jean Charles de Menezes. Narra o filme que o protagonista era um eletricista vivendo definitivamente em Londres por conta de saber passar a perna no controle de imigração. Logo na primeira cena ele mente que possui visto permanente por estar casado com uma cidadã britânica, e facilita a entrada de sua prima, Vivi, que para a capital inglesa teria ido como turista e babá do filho de Jean. Logo após saírem da alçada policial Jean debocha com a prima: - pô, esses ingleses são muito burros, acreditam em qualquer mentira.

Jean é mostrado como um cara de nível médio, envolvido com a emissão ilegal de vistos de permanência, nem santo e nem demônio, mas capaz de compreender a oportunidade que tem diante da vida. Há um momento em que afirma: os brasileiros vêm para cá, só trabalham, não aproveitam a cidade, não aprendem inglês, só querem juntar dinheiro.

Aos poucos a gente vai se solidarizando com ele e com outros brasileiros, não é moleza ir ao exterior, quanto mais sobreviver por lá. Por outro lado, não dá para deixar de sentir admiração por um país tolerante, aberto e com tanta gente interessante. Há um momento em que Vivi recusa o assédio de um colega de trabalho, oriundo do leste europeu, e o cara reage numa boa, com o maior respeito, sem nenhum traço de possessividade, compreendendo bem o direito de escolha da outra. Este forte sentimento liberal dos europeus deveria ser compartilhado por nossa civilização.




Achei Jean Charles um baita filme, dá para reconhecer que os ingleses aprontaram uma tremenda de uma ...lenha, que eles (ou suas instituições) precisam ser menos racistas, mas que há uma grandeza na alma do povo inglês. Esta grandeza também existe na alma do povo brasileiro, principalmente na reação da personagem Alex, quando recebem uma delegação da Scotland Yard na residência dos Menezes, no interior de Minas.

É uma pena. Se eu tivesse visto este filme antes teria ido à estação de Stockwell no dia 22 passado, eu  estava bem perto de lá.

Argentina 4 x Brasil 3. A gente chega lá.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Panótico vê aqui e agora (272)


O estudante
(2010)



Quênia, alguns anos atrás. Em 2003 o governo do Quênia anunciou que qualquer pessoa teria direito a ensino gratuito. Kimani Maruge, um miserável trabalhador rural, 84 anos de idade e portador de deficiência, após ouvir a notícia no rádio, e segurando algo como um testamento na mão, resolve se matricular na escola fundamental local. Ao chegar lá, a dublê de professora e diretora e seu assistente recusam a matricular Maruge apenas por ele ser idoso, perguntam-lhe por quer estudar com esta idade, Maruge lhes explica, e eles usam como pretexto para não matriculá-lo o fato do pobre agricultor não ter dois cadernos e um lápis. O homem retorna no dia seguinte com o material e agora lhe dizem que ele não possui uniforme. O destemido Maruge providencia o bendito uniforme e a diretora, meio que a contragosto, aceita o novo velho aluno. Maruge vai ter que ralar muito para conseguir o que quer.
 
Este filme é tão significativo que eu tenho que numerar os tópicos.
 
1. Maruge é da etnia kikuyu. Os kikuyu são o maior grupo étnico do Quênia, mas muito longe de ser maioria absoluta. Eram tradicionalmente agricultores, mas com a colonização inglesa (1888) suas terras foram expropriadas ou desapropriadas pela Cia. das Índias Ocidentais para construir uma ferrovia. Em 1953 os kikuyu foram a base tribal da revolta Mau Mau, contra os britânicos e seus aliados kalenjin, outro grupo nativo importante. A revolta Mau Mau foi debelada em alguns anos, o Quênia tornou-se independente em 1963, mas pelo filme dá para ver que a história não foi saneada.
 
 
 
 
2. Maruge foi um militante Mau Mau, e sua esposa e filho foram mortos por soldados nativos sob supervisão britânica. Maruge foi torturado na ocasião. Ele diz que um homem que não sabe ler é tão importante como uma cabra. Apenas a diretora/professora se sensibiliza pelo drama do pobre homem.
 
3. A escola que Maruge se matricula é a escola mais sem recursos que vi na vida, nem no sertão brasileiro é tão miserável assim. Não tem muros, as carteiras são para quatro alunos, cinquenta meninos de diversas idades para serem alfabetizados por sala, é cuspe e giz e mais nada. Mesmo assim, nunca vi professores hostilizarem um idoso por querer aprender, duvido muito que a formação pedagógica e humana dos docentes quenianos seja assim tão ruim.
 
4. Maruge não banca o sábio indígena típico de filmes americanos, que diante da intolerância alheia reage com humildade monástica e vai orar para os antepassados, pelo contrário. Cada vez que pegam no seu pé o protagonista se orgulha de ter sido Mau Mau e acusa os kalenjin de terem sido legalistas e subservientes ao domínio britânico. O ator que fez Maruge realmente parece ter sido o próprio personagem, é incrivelmente realista.
 
 
 
5. Contrastando com a miséria da desértica aldeia, vemos modernas construções na capital Nairóbi, é visível que o filme critica a corrupção e politicagem das elites africanas. Aqui não tem aquela coisa: ah, toda e qualquer violência e corrupção no continente africano é culpa do imperialismo e do neocolonialismo. Numa palavra, assim como o mensalão não é culpa dos EUA e de Portugal, a explicação para a pobreza da educação queniana tem que ser buscada também nos gabinetes do Ministério da Educação de lá.
 
6. E o Maruge? Mandam ele para escola supletiva de adultos, ele não se adapta com os adolescentes e jovens repetentes (como acontece aqui, exatamente igual), ele quer ficar com os meninos, mas pais das crianças e o governo querem dar um basta no sonho de Maruge.
 
 
 
7. E o cinema africano? É o segundo filme africano de qualidade que assisto. Daqui a pouco a África vai competir conosco.
 
O estudante é baseado numa história real.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O Panótico vê aqui e agora (271)



Tudo pode dar certo
(2009)

Boris Yelnikoff é um professor universitário de Mecânica Quântica judeu e novaiorquino. Foi casado com uma decoradora de interiores rica e profissionalmente bem-sucedida. Atormentado por questões existenciais, olhava tudo com extremo pessimismo e tentou suicídio. Perdeu parte dos movimentos e o casamento. Mudou-se para o centro de Manhatan e passou a dar aulas de xadrez para adolescentes, o que lhe aumenta ainda mais a infelicidade. Tem alguns amigos de meia-idade que acham um porre as suas sentenças filosóficas. Em uma noite qualquer uma mendiga lhe pede auxílio, uma jovem sulista sonhadora, Boris, muito a contragosto, aceita provisoriamente ajudá-la e a moça vai entrar em sua vida.



Com exceção do fato de que Boris se acha um gênio e não cansa de dizê-lo, o protagonista é puro Woody Allen. O suporte filosófico é o de sempre: socialistas e cristãos apostam falaciosamente na regeneração da humanidade, Deus não existe, foi uma extrema coincidência de milhões de fatores existir vida na Terra, ela não faz sentido, as pessoas são umas toupeiras, como elas conseguem ser tão obtusas, as paixões são reações químicas, mas, uau, esta loirinha (Melodie) até que dá um caldo, e não é que Freud teria razão?!

Segundo minha filha o ator principal (Larry David) é o roteirista de Seinfeld, série de tv que não vi porque... não vi, ué, a gente vê tudo que é importante?rs...

Ri muito com este filme, as asneiras de Melodie são realmente engraçadas, e enquanto Woody Allen costuma criticar e expor os seus pontos de vista com incredulidade e autopiedade, Boris é mais cáustico e ofensivo, ele solta um petardo sem dó e nem piedade nos cérebros alheios, ele meio que não se surpreende mais, particularmente com os pais fundamentalistas da garota que lhe dão nos nervos.

Claro que como na maioria (ou todos) os filmes de Woody Allen, as forças da desordem vão conspirar contra a felicidade do protagonista, meio que dizendo, e aí, agora que você deu uma chance para a felicidade, o acaso vai te demonstrar que anteriormente você tinha mais razão, ela não existe por muito tempo. Ou não?

Eu espero que Woody Allen viva mais umas boas décadas e faça mais uma dúzia de filmes como este.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Panótico vê aqui e agora (270)


Uma garrafa no mar de Gaza
(2011)





Israel, 2007. Tal Lévine é uma adolescente judia francesa cuja família mudou para Jerusalém. Tal está passando pela fase característica: começou a fumar e a beber, tem conflitos com os pais, quer fazer um piercing e perder a virgindade, tudo previsível, mas após a morte de uma colega em um atentado suicida - colega que estava prestes a casar -, resolve escrever, em inglês, uma carta a qualquer pessoa que habite a faixa de Gaza. O irmão soldado coloca a missiva em uma garrafa de uísque e a atira nas águas do Mediterrâneo esperando que alguém a leia.


Um grupo de jovens meio sem rumo na vida encontra a garrafa. Um deles traduz a carta para os colegas. Tal queria saber como alguém poderia entrar em um estabelecimento, ver pessoas lá dentro, e, sem mais nem menos, por fim à própria vida e à de terceiros. Os rapazes reagem com deboche ressentido, mas um deles, Naim, resolve escrever para o email fornecido pela menina. A partir daí, ambos têm uma relação de repulsa, medo e atração.




Os argumentos do filme são conhecidos, e ambos dotados de legitimidade. Os israelenses acreditam nas origens bíblicas de seu Estado, ou, pelo menos, querem apenas viver em paz. Os palestinos sentem-se expulsos, sem um Estado, ou, pelo menos, sem a qualidade de vida que há em Israel, excluídos de benefícios sociais.  A menos que o(a) leitor(a) tenha uma opção clara para a questão palestina, não lhe parecerá que o filme é escancaradamente favorável a um ou outro ponto de vista.

O que eu estranhei, não de todo, foi a imagem da França como redentora de ambos, o filme mostra o exílio de estudos em Paris como a chegada do Iluminismo junto aos povos conflitantes. Um centro cultural francês em Gaza é exibido como uma ilha de paz e cultura em pleno mundo cão. Para que se possa dar uma dimensão do que estou a dizer: há um momento em que a mãe viúva de Naim fala para o seu filho único, quando da Intifada de 2008: "Fale algo em francês para me deixar feliz". Não que eu seja insensível ao charme da capital francesa, muito pelo contrário.

Mas, a minha memória de  chama: cadê a minha cópia de A batalha de Argel ?!rs...

domingo, 19 de agosto de 2012

O Panótico ouve aqui e agora (110)



Iron Sky
(2012)



Basicamente, para quem não conhece o Laibach, trata-se de um grupo de rock de Ljubljana (Eslovênia) do início dos anos oitenta, nos últimos anos do Estado iugoslavo de Tito. Laibach foi o nome dado pelos nazistas à capital eslovena, quando de sua ocupação entre 1941-5. O grupo Laibach iniciou cantando em servo-croata e esloveno, e sua temática sempre foi o totalitarismo. A banda ganhou destaque no cenário internacional com a sua obra Opus Dei (1987). Com cerca de quinze álbuns, alguns já resenhados neste blog, o Laibach criou um conceito, a Neue Slowenische Kunst (a nova cultura eslovena) envolvendo espetáculos multimedia e até a emissão de passaportes do Estado transnacional por eles fundado, e eu sempre esqueço de providenciar o meu, bom falar nisto.



Fascismo, nazismo, sovietismo, capitalismo transnacional e seus símbolos e produtos culturais são um prato cheio para a banda. Não vou falar deste filme, não o vi e não me parece grande coisa. Esta trilha sonora, com quase quarenta faixas, tem vários altos e baixos, mais baixos do que altos. O mais interessante são os prelúdios das óperas de Wagner, Tannhäuser me deixou arrepiado. Há o hino dos EUA de Volk (2006) repetido aqui, coisa que me irrita, em uma versão extendida e até mais bonita, por sinal.. É um cd que vale a pena conhecer e tudo o que o Laibach faz me interessa porque são músicos antenados com o mundo e trabalham ideologias e símbolos que são bem evidentes, para os quais o mundo pop está meio que desligado, o que não quer dizer, óbvio, que acertam em tudo o que criam.

A bela Under the iron sky você pode ouvir no vídeo abaixo.











O bacana trabalho dos encartes é outra razão para concluir que fiz bem em adquiri-lo, a doze libras na Rough Trade de Portobello. Está aí, nos países socialmente mais justos eu sou contra a duplicação alternativa de cópias. 




O Panótico vê aqui e agora (269)



Sem destino
(1969)





Dois motociclistas traficantes de Los Angeles, Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) ganham uma bolada com cocaína do México para a Califórnia e resolvem levar a grana para torrar no carnaval de New Orleans. Pelo caminho passam por uma família rural indígena, por uma comunidade hippie deprimente, por diversas pequenas cidades com rednecks abertamente hostis, são presos por uma bobagem e conhecem um advogado militante dos direitos civis alcoólatra (Jack Nicholson) a quem introduzem a maconha.




Eu já conhecia Easy Rider de nome desde os anos setenta, já passou na TV Plim Plim nas corujas multicoloridas muitas vezes, mas aquela coisa On the road,  eu e minha chopper vagueando pelo deserto cheio de drugs na cabeça nunca me seduziu. Mas, sacumé, depois de muito tempo, fora do contexto original, vale a pena ver o que não foi visto.

Eu gostei bem do filme. Primeiro, porque as cenas do deserto realmente são muito bonitas, imagino-as no telão do cinema. Segundo, porque o filme não é uma propaganda hippie, ele deixa bem claro que comunidade alternativa não plenifica o sonho de liberdade, ficar lá, no meio do nada, voltando ao comunismo agrícola primitivo e adorando as forças da natureza? Eu, hein.



Terceiro, porque o diretor e o produtor do filme (Hopper e Fonda) falam por meio do ótimo Jack Nicholson/advogado. Este país fala de liberdade, mas não vivencia isto. Vive a liberdade em abstrato, mas morre de medo de sua concretização.



Achei uma pena, no entanto, o fim precoce do filme, não sei se isto se deveu à ingerências de estúdios ou outros problemas, mas no momento em que o coletivista Wyatt parecia levar o pragmático e fisiológico Billy para tomar um rumo, ou um corte epistemológico, se me permitem a pretensão, o filme simplesmente acaba.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O Panótico vê aqui e agora (268)



Escola do Riso
(2004)





Asakusa (Tóquio), 1940. Sakisaka é um policial civil escolhido pelo governo japonês para ser censor de peças teatrais. Controlado e burocrático, todo dia recebe dramaturgos e impõe pequenas censuras às suas obras como condição para permitir a sua encenação. A maioria aceita as imposições e outros mais destemidos preferem ter a sua peça recusada do que permitir a ingerência do Estado em falas cruciais de suas obras.

Tsubaki é um medroso roteirista da companhia Escola do Riso  e aceita toda e qualquer exigência por parte do censor, que, por sinal, pretendia vetá-la in totum. O até então contido Sakisaka se revela diante de Tsubaki um iracundo direitista que considera toda e qualquer comédia como impatriótica diante da situação do Japão, que agora estava em guerra com o Reino Unido. Sakisaka afirma que já havia lutado na guerra e jamais havia dado risadas em sua vida, não vê sentido nas comédias como gênero teatral.

Tsubaki queria encenar uma paródia de Romeu e Julieta - e, principalmente, não perder o emprego - e também agradar ao seu chefe, diretor e ator principal do teatro Escola do Riso. Tsubaki passa a aceitar toda e qualquer exigência do censor Sakisaka, reescrevendo o script diariamente, e ainda assim, o policial nunca lhe dá o seu sinal verde para a peça.





Aos poucos Tsubaki encontra uma maneira de lidar com o burocrata mesquinho e aparentemente tapado.

O tom do filme é de pilhéria, a maior parte das cenas é praticamente um teatro em os dois protagonistas. Na verdade esta era uma peça de teatro que foi levada para as telas. As pessoas nas ruas e nas peças encenadas na Escola do Riso têm um jeito apressado e apatetado das comédias latinas, pensei muito nos filmes italianos, e fiquei imaginando se o filme seria adaptação de alguma peça teatral europeia que trata do absurdo da ação do Estado contra os sentimentos mais naturais dos indivíduos. A referência mais precisa que eu tenho é a comédia Como a vida é bela, com Roberto Benigni.

Uma defesa inteligente e bem-humorada da liberdade de expressão.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O Panótico vê aqui e agora (267)




Batman - O cavaleiro das trevas ressurge
(2012)




Gotham City vive dias de segurança, e Batman está recluso há anos por ter supostamente assassinado o benfeitor da cidade. Paralelamente, um terrorista troglodita que usa uma máscara organiza o sequestro de um cientista russo capaz de armar uma bomba atômica. A rede terrorista de Bane (é o nome do mamute) é contratada de um megaempresário que pretende utilizá-la para roubar segredos industriais. Uma outra megaempresária, preocupada com o meio ambiente, quer se unir a Bruce Wayne para utilizar energia nuclear com fins pacíficos.

Eu não li a última série de Batman em quadrinhos e nem vi o anterior Batman, com o Curinga de Heath Ledger. Lembro apenas que detestei o primeiro Batman desta nova série, com Christian Bale e Liam Neeson, detestei a história, o plutocrático Bruce Wayne, o Batmóvel tanque, Tibete, artes marciais, etc.

Já por dentro da enorme polêmica fui vê-lo por falta de melhor opção. Somente havia uns vinte estudantes universitários em greve por lá, silêncio total e obsequioso, o jeito é fugir da promoção das terças-feiras. Dirigido e produzido por Christopher Nolan (n.1970), diretor de A origem, este Batman conta com um leque de estrelas de credibilidade: Michael Caine como o mordomo Alfred, Gary Oldman como o Comissário Gordon, Marion Cotillard como a magnata do Bem, e Morgan Freeman como o cientista do Bem (Anne Hathaway como Mulher Gato é bônus). Isto tudo envia um recado para o público, não é apenas um filme para adolescentes, o titio pode ver também.

Achei que o filme se esticou, chega uma hora em que a trama não se desenrola e há suspense excessivo. Há elementos para agradar aos dois públicos que buscam este tipo de filme: o convencional, afeito ao paladar estadunidense, que se satisfaz com ação, efeitos especiais, armas poderosas, gente bonita e sexy mesmo quando apanha, e frases ocas de efeito. E também há reflexões sistemáticas, questões éticas e universais, dilemas humanos, fotografia excelente, boa trilha sonora, etc. para os mentalmente adultos. Somente aqueles que, não é o meu caso, aspiram a um cinema dessensiblizador e desconstrutivista, filhos indiretos e diretos de Walter Benjamin, Deleuze e Derrida, que podem concluir, e com razão à sua maneira, de que Nolan gosta de fazer pseudo-cinema relevante. Para aqueles que não suportam um cinema com pretensões metafísicas, este último Batman só não é tão ruim quanto os dirigidos por (ui!) Joel Schumacher.

Vale a pena, não deixe de vê-lo.


domingo, 12 de agosto de 2012

O Panótico lê aqui e agora (31)




Hammer of the gods
(Stephen Davis, 1985/Panmacmillan, 2008, 374p.)

O jornalista Stephen Davis tem uma boa reputação como escritor de biografias de astros da música. Além de conhecer sobre rock, ele conviveu anos com esta galera. Em uma entrevista afirmou que artistas são pessoas com baixa autoestima, incapazes de sobreviver em empregos normais, como eu e você, e que por isto se agarram a qualquer oportunidade de ganhar muito dinheiro, a qualquer preço.

Biografias têm sempre aquela dose de incredulidade: se são autorizadas desconfia-se de que afagam o objeto da pesquisa, se não o são desconfia-se dos exageros e invenções. Este livro tem uma propaganda que o acompanha, os caras do Led Zeppelin seriam tão chegados a orgias a ponto do guitarrista Jimmy Page ter introduzido um filhote (morto) de tubarão na intimidade de uma groupie.

Se o leitor estiver interessado em longas descrições de quizumbas irá encontrar algum material por aqui. Mas este livro é mais sobre o processo de criação e formação do Led Zeppelin, uma das maiores bandas de rock da história, a mais importante do hard rock, pai do heavy metal. Eu gosto bem deles, particularmente dos cinco primeiros discos, feitos entre 1969-73. Eu acredito que esta obra traz um relato completo e interessante sobre tudo o que possa dizer respeito sobre as canções e turnês da banda. Não é necessário mais do que o inglês razoável para entender o texto.

Comprado na HMV (Londres, Oxford street) por seis libras. A edição brasileira passa de setenta reais.

O Panótico vê aqui e agora (266)



Eterno amor
(2004)


França, frente ocidental, 1917. Cinco soldados franceses são condenados à morte por covardia (provocaram autolesões para obter dispensa de combate). O nome e o modo como cada um atinge o seu objetivo é demonstrado e narrado pelo locutor do filme. Um oficial encarregado de comandar as execuções se recusa a fazê-lo, acha a punição branda e obriga os condenados a atacarem a linha inimiga alemã numa missão suicida.



Três anos depois, Mathilde (Audrey Tatou) não tendo notícias de seu amado Menach inicia uma peregrinação em busca de informações, por não acreditar na morte do namorado.


Eu assisti a este filme sem lembrar do motivo por que o escolhi. Eterno amor é um título bem xarope, mesmo sabendo que isto é obra da distribuidora nacional. A narrativa do filme, no estilo: "no dia tal, fulano de tal escreveu uma carta para pessoa de tal, e fulano gosta de coçar o pé enquanto toma chá" e a presença de Audrey Tatou me fizeram lembrar imediatmente de Amélie Poulain, e não é que é obra do mesmo diretor (Jean-Pierre Jeunet)?

A fotografia é excelente, há imagens de grande qualidade, e o tom sépia do filme tem a ver com a fotografia de um século atrás. O tema pode não empolgar para quem não se emociona com esta coisa a força de uma paixão, mas há uma contextualização política e um clima de suspense que entretém aqueles que, como eu, não sentem muita comiseração por jovens meio mimadas cujo universo e maior horizonte é o casamento.




Também penso que cento e sessenta minutos é muito para concluir a trama.

sábado, 11 de agosto de 2012

O Panótico ouve aqui e agora (110)


The virgin suicides
(Air/2000)


Este é o único cd da banda francesa Air que me faltava. Não tinha ideia do quanto era bom, e menos ainda de que se tratava da trilha sonora do primeiro filme de Sofia Coppola, sobre uma família de cinco adolescentes loiras e bonitas criadas em um ambiente repressivo.

O cd é ótimo do início ao fim, infelizmente meio curto (menos de quarenta minutos). Um pouco triste e melancólico, sem chegar a ser depressivo, tem tudo para agradar aos fans de progressivo ou de um som instrumental mais tradicional, com fortes referências do final dos anos sessenta e início dos setenta. A influência de Pink Floyd, especialmente de obras como The dark side of the moon e Zabriskie Point é bem evidente. Já o ouvi dezenas de vezes e assim que termina reinicio o cd. É uma tremenda sorte eu ainda conseguir encontrar bons trabalhos que ficaram para trás.

Adquirido na HMV da Oxford street (Londres) por apenas três libras.

sábado, 4 de agosto de 2012

O Panótico lê aqui e agora (30)


Introducing Slavoj Zizek, a graphic guide
(Chistopher Kul-Want & Piero/2011, £7)


A primeira vez que vi Slavoj Zizek foi em um documentário do grupo musical esloveno Laibach (A film from Slovenia/1993). Para mim parecia um sociólogo dono da verdade fazendo uma análise emocionada e afobada de como o grupo Laibach, cuja temática mor é o totalitarismo, conscientizava as pessoas sobre o capitalismo contemporâneo por meio de paródias. Eu já era fã da banda, já intuía esta relação, mas fiquei surpreso de um intelectual dar tanta importância assim ao evento. Ano passado, um professor do mestrado falou-me rapidamente de Zizek (acho que se pronuncia Gígek), fui pesquisá-lo e reconheci a figura quase caricata  que havia visto quase vinte anos antes no vídeo do Laibach. Recentemente comentei aqui O guia pervertido do cinema, de que gostei bastante.


Zizek publica uma média de dois livros por ano, já tem umas sessenta obras, umas quinze publicadas no Brasil (não li nenhuma). Nascido em 1949, o esloveno enfrentou dificuldades com a burocracia iugoslava, mas não foi preso ou especialmente perseguido pelo regime de Tito. Fingiu ser comunista para ter acesso à vida boa dos intelectuais universitários (ah, não? O (a) leitor(a) acredita mesmo que professores universitários são explorados?), e pôs-se a estudar filosofia e psicanálise lacaniana.



O homem já foi candidato à presidência da Eslovênia, e eu não acredito em profetas que falam de tudo, tipo o brasileiro americanizado Roberto Mangabeira Unger, o falecido Robert Kurz, Perry Anderson, Jacques Derrida e uma pá de gente. Tenho grande respeito (mesmo) pelo fôlego intelectual deles, mas gosto mais de certas sacadas do que do conjunto da cosmovisão.




Este livro é muito agradável, não dá vontade de parar de lê-lo, e para alguém com raso conhecimento de psicologia como eu, foi muito bom ver como Zizek conecta a filosofia política globalizante com a ciência do indivíduo, particularmente as relações entre ideologia e rede simbólica. Não sei se esta obra já foi publicada no Brasil.

Eu queria mesmo ler uma síntese sobre Zizek, foi bom topar com esta publicação na Tate Modern, em Londres.